15 de novembro de 2014 | 02h02
Quando os diretores da Petrobrás decidiram adiar a divulgação das contas do terceiro trimestre, a presidente Dilma Rousseff já estava chegando a Brisbane, na Austrália, para uma reunião de cúpula do Grupo dos 20 (G-20).
Haviam ficado em Brasília, para falar em nome do governo e negociar a mudança da LDO, o vice-presidente, Michel Temer, e o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante. No começo da semana a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, já havia ido ao Congresso para defender a alteração da regra orçamentária - essencialmente, a extinção do limite para descontos da meta de superávit primário. Com isso, qualquer número vexatório será considerado aceitável.
A ministra realizou com zelo sua tarefa e chegou a descrever a situação fiscal brasileira como "bastante confortável". Pão ou pães, é questão de opiniães, segundo a filosofia do Grande Sertão. Ainda assim, parece estranho falar de situação confortável quando se trata do rombo fiscal brasileiro, maior que o de muitos países desenvolvidos.
O déficit do governo central, incluído o gasto com juros, alcançou de janeiro a setembro 4,97% do produto interno bruto (PIB). Em 12 meses chegou a 3,75%. Se continuar por aí no fim do ano, será muito pior que a média estimada para a zona do euro, 2,9%, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
O déficit nominal de todo o setor público atingiu 5,94% do produto em nove meses e 4,92% em 12. A média projetada para os países avançados do G-20 é de 4,5%. Ninguém deve ter falado sobre esses números à presidente Dilma Rousseff nem à ministra Miriam Belchior ou a outros auxiliares da Presidência.
O desastre das contas públicas é um dos efeitos mais vistosos da política em vigor desde o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa política foi ampliada nos primeiros quatro anos de sua sucessora, com o prolongamento da relação promíscua entre o Tesouro e os bancos federais, a multiplicação dos benefícios seletivos, o avanço do protecionismo, a tolerância à inflação, o intervencionismo crescente e a maquiagem ostensiva do balanço fiscal. A crise industrial e a destruição de postos de trabalho formal em outubro são algumas das consequências mais importantes.
No mês passado os empregadores fecharam 30.283 postos de trabalho com carteira assinada, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Foi o primeiro resultado negativo em um mês de outubro desde o começo da série, em 1999. Mas os dados mais feios são os acumulados no ano.
De janeiro a outubro foram criados 912.287 empregos formais em todo o País, segundo o cadastro, mas 582.425, ou 63,84% do total, foram abertos em serviços, em segmentos de baixa produtividade e salários correspondentes a esse padrão. A criação de empregos é um dos feitos alardeados pela presidente Dilma Rousseff e sua trupe, mas as vagas oferecidas são compatíveis com a estagnação da indústria, com o baixo investimento e com a perda de vigor produtivo da economia. Que outro tipo de ocupação poderia aumentar quando a política é incapaz de estimular o investimento, a produtividade e a produção?
O governo conduziu a política econômica nos últimos seis anos como se houvesse no Brasil muita mão de obra desocupada e muita capacidade ociosa na indústria. Uma estratégia desse tipo foi justificável no começo da crise internacional, mas logo deixou de ter sentido. O passo seguinte deveria ter sido a busca de uma nova etapa de desenvolvimento. Mas o "modelo" adotado pela presidente Dilma Rousseff e, portanto, pelo ministro da Fazenda simplesmente deixou em plano inferior metas de produtividade e modernização.
Foi o aspecto mais inovador do tal modelo: adotou-se pela primeira vez na História uma teoria do desenvolvimento sem referência à produtividade. Os efeitos dessa inovação teórica são visíveis na estagnação da indústria, na queda do investimento e na sucessão de pibinhos, com média anual de crescimento provavelmente inferior a 2% entre 2011 e 2014.
Com as contas públicas em pandarecos, o investimento muito abaixo do necessário, a inflação na vizinhança de 6% e contas externas em deterioração (déficit de US$ 2,62 bilhões de janeiro até a primeira semana de novembro), a primeira grande tarefa da presidente Dilma Rousseff, antes de começar o segundo mandato, será reconhecer a realidade. Se for, finalmente, capaz desse esforço, ficará assustada.
A maioria dos eleitores concedeu mais quatro anos a um governo em péssimo estado de conservação. Cada novo detalhe do escândalo da Petrobrás torna mais difícil disfarçar esse fato. Escrever sobre a política econômica brasileira assemelha-se cada vez mais a um trabalho de médico legista.
*JORNALISTA
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