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Uma proposta para a poluição urbana

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Por Washington Novaes
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A Prefeitura de São Paulo anunciou a segunda fase do projeto Cidade Limpa, que inclui a renovação da frota de 15 mil ônibus até final de 2008, assim como o início da inspeção do nível de emissões de gases poluentes por veículos, a partir de postos de monitoramento por sensoriamento remoto, estacionados em diversos lugares da cidade. A questão do pagamento de uma taxa de R$ 52,89 anuais por veículo, a partir do ano que vem, ainda não está resolvida. Por incrível que pareça, na verdade está empacada há 20 anos no Congresso, por causa da disputa entre Estados e municípios para saber quem fica com a arrecadação de taxas na inspeção. Há cerca de 3 mil propostas sobre o tema na Câmara dos Deputados (Estado, 17/5). E os veículos respondem por 78% da poluição do ar na cidade. Calcula-se que pelo caminho agora proposto será possível reduzir em 30% a poluição por veículos. A ver. Se a inspeção se concretizar, atingirá principalmente cerca de 1 milhão de carros com mais de 20 anos de fabricação, que emitem dezenas de vezes mais carbono que os veículos novos. Mas as motocicletas, que emitem, proporcionalmente, mais que automóveis (fora 10,8% dos acidentes e 15,2% das mortes nas estradas), não passarão pelas inspeções, ao que parece. Mesmo com as previsões de que em pouco tempo serão vendidas mais motos que carros novos. São Paulo também não pretende aderir ao caminho do pedágio urbano que tantas cidades no mundo estão adotando - a partir dos bons resultados em Londres (diz a Prefeitura que considera mais apropriada a solução dos corredores exclusivos). Nem à proposta de forçar a utilização de bicicletas em substituição ao automóvel ou ao ônibus. Ainda há poucos dias, Paris - seguindo o exemplo de Copenhague, Viena, Genebra, Barcelona e Lyon -, para reduzir a poluição do ar, lançou um programa que pôs 10 mil bicicletas à disposição de quem queira, mediante o pagamento de taxa anual de 29 euros (cerca de R$ 73) ou diária de R$ 2,50. O usuário retira a bicicleta num dos 750 bicicletários já implantados e a entrega em qualquer outro. E a prefeitura de Paris espera dobrar o número de locais em seis meses (France Presse, 15/7). Nova York vai seguir o caminho de Londres, com o pedágio urbano de US$ 8 (cerca de R$ 15) diários, proposto por seu prefeito para quem quiser trafegar em certas áreas das 8 às 18 horas. Caminhões pagarão US$ 21 (cerca de R$ 40). Londres, por esse caminho, reduziu a circulação de veículos em um terço, nos lugares escolhidos, e a poluição do ar em 20%. Em toda parte cresce a preocupação com as emissões e os custos pelo setor de transportes, que em 1972 já respondia por 3,5 bilhões de toneladas de carbono emitidas e as aumentou para 4,5 bilhões em 2002 (18,6% do total mundial de 24,1 bilhões de toneladas). A previsão é de que, no ritmo atual de crescimento das emissões, elas cheguem a 9 bilhões de toneladas em 2030, com um crescimento proporcional maior que o de qualquer outro setor . Cientistas e técnicos não param de fazer contas: no transporte aéreo, o custo (mil toneladas por quilômetro) é três vezes maior que no rodoviário e 16 vezes maior que no ferroviário; o custo no automóvel é o dobro do registrado nos ônibus. Não por acaso, a União Européia está propondo criar uma forte taxa pelas emissões no transporte aéreo - e provoca ríspida reação dos Estados Unidos, já que seus aviões teriam de pagá-la para pousar em solo europeu. Entre nós, a Associação Nacional de Transporte Público cansou de chamar a atenção para o fato de o transporte em cidades como São Paulo já ocupar mais de 50% do espaço urbano, incluídos os estacionamentos e as garagens (o meio transforma-se em fim). A Organização Mundial de Saúde diz que morrem cerca de 750 mil pessoas por ano no mundo em conseqüência da poluição urbana. O relatório brasileiro sobre emissões apresentado em 2004 à convenção de mudanças do clima dizia que em 1994 o transporte, com 94,3 milhões de toneladas anuais, do total nacional de 231,4 milhões, respondia por 40,7% das emissões no setor de energia; no Município de São Paulo, com 24 milhões de toneladas anuais, por 58% do total (41% na grande indústria, com 17,1 milhões de toneladas anuais). De lá para cá, esses números devem ter subido muito, já que recente estudo do Banco Mundial acusou aumento de cerca de 70% nas emissões brasileiras entre 1994 e 2004 (embora tenha sido fortemente influenciado pelas emissões em decorrência de desmatamentos, queimadas e mudanças no uso do solo, principalmente na Amazônia). É preciso continuar fazendo contas. Já se mencionou aqui (Estado, 18/2/2005) estudo do especialista Nelson Choueri, segundo quem o desperdício de horas no trânsito paulistano (alguns milhões de pessoas, à média de duas horas diárias) significa uma perda de 165 vidas úteis (em horas de trabalho) por dia. Isso quer dizer 50 mil vidas por ano, com um custo de R$ 14,4 bilhões (calculado sobre o valor médio da hora de trabalho na cidade). E esse desperdício é maior que o investimento anual necessário para em 20 anos estender a rede de metrô (que tem só umas poucas dezenas de quilômetros) a toda a cidade. Talvez se argumente que não há como transferir os números do prejuízo para um desejável investimento. É verdade. Mas isso não elimina o caráter irracional das "soluções" que continuamos aplicando e que, na verdade, não impedem que o problema cresça. Como acabou acontecendo também com a implantação de um rodízio para diminuir a circulação de carros e, com o licenciamento de carros novos, em poucos anos superarmos o número de veículos retirados da circulação com o rodízio. Vale a pena, por isso, repetir a mesma conclusão do artigo de 2005: "Continuamos presos a caminhos que a realidade e a ciência já se cansaram de dizer que são insustentáveis. Custará cada vez mais caro."