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Uma recaída bolivariana

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Por Redação
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Na esvaziada Assembleia-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), encerrada quarta-feira passada em Cochabamba, na Bolívia, o Brasil desprezou mais uma oportunidade de marcar posição em defesa dos direitos humanos no continente. Numa recaída bolivariana influenciada também pela intenção de retaliar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) - que no ano passado pediu a suspensão das obras da Hidrelétrica de Belo Monte até que se apurassem as denúncias de que estariam sendo infringidos direitos da população indígena -, o governo brasileiro preferiu, mais uma vez, alinhar-se com os regimes autoritários do Equador, Bolívia, Nicarágua e Venezuela, violadores contumazes dos direitos humanos, principalmente a liberdade de imprensa. Felizmente, porém, malogrou a tentativa de que o plenário da OEA votasse resolução que impõe restrições à ação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que os bolivarianos acusam de servir a "interesses imperialistas".A proposta de enquadramento da comissão - que por extensão acaba atingindo a Corte Interamericana de Direitos Humanos - teve como defensor principal o presidente equatoriano Rafael Correa, o único chefe de Estado presente ao encontro, além do anfitrião Evo Morales, que acusou aquele órgão da OEA de favorecer "a liberdade de extorsão do jornalismo". Ele combate a "imprensa burguesa" ferozmente em seu país, com a imposição de medidas econômico-financeiras, legislativas e judiciais que têm sufocado os veículos de comunicação que lhe fazem oposição. Evo Morales e os representantes da Venezuela e da Nicarágua, integrantes da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), fizeram eco às diatribes de Correa. O embaixador da Venezuela na OEA, Roy Chaderton, declarou à agência de notícias Reuters que a CIDH "é um instrumento do império composto por cúmplices e covardes" e reiterou as críticas de seu governo ao trabalho do argentino Santiago Cantón na Secretaria Executiva da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A função dessa comissão é promover, fiscalizar e proteger os direitos humanos nas Américas, o que tem feito com o mesmo rigor com que, no passado, condenava as práticas antidemocráticas das ditaduras direitistas no continente. O Brasil, ao lado de México e Argentina, não chegou a endossar os ataques diretos à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, mas defendeu a necessidade de "modernizar" os mecanismos de atuação dos órgãos da OEA que atuam na área de direitos humanos, o que significa, na prática, diminuir sua autonomia, transferindo as principais decisões para o plenário da OEA e, como consequência, esvaziando o poder da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Exatamente por esse motivo, essa "modernização" é combatida por entidades como a Human Rights Watch e a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Ao final, o esvaziamento da Assembleia-Geral da OEA acabou impedindo o avanço de mais essa conspiração bolivariana contra o sistema interamericano de direitos humanos. Compareceram à reunião de cúpula apenas os 2 chefes de Estado, Morales e Correa, e 16 chanceleres, com os demais países, Brasil inclusive, representados por seus embaixadores na organização. O Conselho Permanente da OEA havia decidido submeter a proposta à Assembleia-Geral de Cochabamba. Mas o plenário da conferência esvaziada devolveu a questão ao Conselho Permanente, para que seja reestudada e encaminhada à próxima Assembleia-Geral, ainda sem data para se reunir.Para justificar sua posição dúbia nessa questão vital para a preservação dos direitos humanos no continente, o governo brasileiro alega que as reformas preconizadas pelo radicalismo bolivariano de Correa, Morales, Chávez e companhia não afetarão o trabalho da CIDH e destinam-se apenas a aperfeiçoar os critérios para sua atuação. Mas a origem da proposta não deixa dúvidas quanto a suas reais intenções. É estranha, portanto, a posição brasileira, que está em contradição com o fato de que aqui a liberdade de expressão tem sido respeitada, malgrado as episódicas e lamentáveis exceções de interpretações judiciais equivocadas.