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Uma tática desastrada

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Por Redação
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Na próxima semana e depois, em maio, o Brasil participará de dois eventos internacionais de alto nível sobre armas atômicas. O primeiro, organizado pelos Estados Unidos, é a Cúpula sobre Segurança Nuclear, a que estará presente o presidente Lula. O segundo, no âmbito das Nações Unidas, será a Conferência de Revisão do Tratado de Não-Proliferação (TNP). O tema formal da primeira reunião é a "prevenção do contrabando nuclear e do terrorismo". Mas será uma espécie de ensaio geral para o encontro de maio ? e, no que depender de Washington e de seus aliados europeus, uma ocasião a mais para pressionar o Irã a manter o seu programa nuclear nos limites estabelecidos pelo Conselho de Segurança da ONU e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).O presidente Barack Obama fez da não-proliferação e do desarmamento nuclear dois pontos essenciais da sua política externa. Por enquanto, o seu principal trunfo nessa frente é o acordo já apalavrado com a Rússia para a redução, em até 10 anos, de 30% dos respectivos arsenais de longo alcance. A redução estava prevista em outro acordo, de 2001, mas estancou devido ao desinteresse mútuo dos presidentes Bush e Putin. De qualquer forma, as potências ocidentais têm claro que não-proliferação e desarmamento, embora constituam questões aparentadas, que gravitam em torno do mesmo objetivo da desnuclearização do planeta, não são sinônimos. A história mostra que a ameaça maior de uma conflagração nuclear não estava, como havia todos os motivos para supor, na guerra fria entre os EUA e a URSS, mas está nos países que forçaram o seu ingresso no clube atômico ? Israel, Índia, Paquistão e Coreia do Norte. (Sob pressão internacional, a África do Sul, que havia feito o mesmo, se desfez de suas bombas, produzidas ainda no regime do apartheid.) O cenário do holocausto nuclear da segunda metade do século passado cedeu lugar à hipótese de que a segunda geração de detentores de armas atômicas, ou a que eventualmente lhe suceder, poderá produzir, em conflitos regionais, o que o equilíbrio do terror tornou impensável em escala mundial. Sem falar no perigo de uma Al-Qaeda ou congênere de posse da bomba.Isso levou a AIEA a aprovar um protocolo adicional que a autoriza a fiscalizar de forma mais rigorosa os cerca de 80 dos 189 países signatários do tratado com atividades nucleares (para geração de energia elétrica ou pesquisas). O controle focaliza principalmente as instalações de enriquecimento de urânio, combustível para reatores com fins civis ou matéria-prima da bomba, conforme o grau do beneficiamento. O protocolo adicional já foi assinado e ratificado por 129 países. O Brasil não é um deles ? e, ao que parece, pretende responder às pressões para que mude de atitude, desviando o debate para as assimetrias que de fato existem no TNP entre os países com e sem a bomba, e batendo na tecla do desarmamento dos primeiros. Essa é uma tática, no mínimo, desastrada. A meritória defesa da aceleração do desmanche dos estoques americanos e russos não deveria servir de pretexto para sustentar o que não passa de uma bravata nacionalista: a recusa a aderir ao protocolo adicional, instituída na Estratégia Nacional de Defesa do governo Lula. O Planalto alega que o acesso irrestrito dos inspetores da AIEA às instalações de enriquecimento as deixará expostas à espionagem industrial. Descontada a ofensa implícita à entidade da ONU de que o Brasil é membro, o argumento faz crer que o País tenha ido além dos demais no domínio da ultracentrifugação ? uma tecnologia amplamente conhecida pelas potências nucleares.Se ambiciona tornar-se um exportador de combustível nuclear, o Brasil terá de se pautar conforme as normas definidas pela comunidade internacional no protocolo adicional ao TNP e em tratados precedentes. Deixando de fazê-lo, alimenta suspeitas sobre as suas intenções. A olhos estrangeiros, o fato de a Constituição proibir explicitamente a bomba brasileira não significa uma garantia pétrea. E o País se cria um problema de todo desnecessário.