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Uma verdade amarga

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Por Redação
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O deputado Sérgio Moraes, do PTB gaúcho, decerto externou o que devem pensar muitos, se não a maioria de seus pares - a julgar pela infinidade de exemplos de seu execrável comportamento -, quando disse estar "se lixando" para a opinião pública. Foi com essa brutal franqueza que reagiu ao ser perguntado se não o preocupava a possível repercussão da deplorável atitude que acabara de tomar como membro do Conselho de Ética da Câmara. Relator do pedido de abertura de processo por quebra de decoro contra o deputado mineiro Edmar Moreira (ex-DEM), Moraes avisou, antes de qualquer apuração, que não tinha a menor intenção de levar adiante o caso que poderia desembocar na cassação do colega. Moreira, levado a renunciar à Corregedoria da Casa quando se descobriu que ele era dono, em surdina, de um castelo de R$ 25 milhões, é acusado de cometer irregularidades com a verba indenizatória de R$ 15 mil mensais que os parlamentares se concederam para cobrir as suas despesas no exercício do mandato. Entre 2007 e 2008, ele apresentou notas fiscais de serviços que teria pago a firmas de segurança de sua propriedade. Uma sindicância levantou a suspeita de que os serviços não foram prestados e que as notas serviam para o deputado embolsar R$ 230,6 mil restituídos a troco de nada. Ele já se havia notabilizado ao invocar "o vício absolutamente insanável da amizade" para propor que a Casa deixasse de processar os seus membros. Moraes alega ser impossível provar que não foram prestados os serviços alegadamente pagos por Moreira. De mais a mais, argumenta, "se não havia norma que impedisse o deputado de contratar sua própria empresa, ele não cometeu irregularidade alguma". Ele não é o primeiro, e certamente não será o último congressista a ignorar, ou fingir que ignora, que na esfera pública só se pode fazer o que as leis autorizam expressamente. Moraes invocou ainda a anistia concedida pelo presidente da Câmara, Michel Temer, aos participantes da farra das passagens aéreas. Ao baixar as regras que passaram a restringir a sua utilização, Temer estabeleceu que os abusos passados não seriam punidos. Moraes sustenta que o mesmo se aplica às verbas indenizatórias. Apesar dessa escandalosa complacência, a investigação contra o deputado-castelão prosseguirá. Mas o que o espera por seus presumíveis ilícitos ficou por ora em segundo plano, ofuscado pelas palavras do relator. Sem se dar conta, ele disse uma amarga verdade a propósito do combate morro acima aos vícios entranhados na cultura política brasileira. Moraes se lixa para a opinião pública porque "vocês (jornalistas) batem, mas a gente se reelege", contrapôs. E citou o próprio caso: está no seu sétimo mandato, a mulher é prefeita e um de seus seis filhos, vereador. De fato, ele se elegeu duas vezes vereador em Santa Cruz do Sul, no interior gaúcho, duas vezes prefeito do município e duas vezes deputado estadual, antes de conquistar em 2006, com 86 mil votos, um mandato na Câmara. Pelo visto, a sua carreira não foi afetada por ele ter sido acusado de envolvimento com uma rede de prostituição quando dono de uma boate no fim dos anos 1980 (o que lhe valeu uma condenação anulada em 1997 por insuficiência de provas). Ele se livrou também de um processo por receptação de joias roubadas e de dois outros por agressão. No Supremo Tribunal correm contra ele quatro processos por crime de responsabilidade. Mais quatro acusações, uma delas por atos contra os direitos da criança e do adolescente, estão sendo investigadas. Dá o que pensar. Denúncias da imprensa, investigações policiais, a indignação da sociedade - até a "lista suja" de candidatos condenados em primeira instância -, nada disso resultou numa verdadeira faxina ética das câmaras legislativas nacionais. É verdade que, a cada eleição, aproximadamente a metade dos deputados federais que se recandidatam é rejeitada. É verdade também que dezenas de parlamentares ligados à máfia das ambulâncias foram punidos nas urnas. Em compensação, um Sérgio Moraes não só se alçou ao Congresso, como chegou a presidir o Conselho de Ética da Câmara, onde se distinguiu por pregar a extinção do colegiado, e agora é o complacente relator de um processo de cassação. Ele tem mesmo por que se lixar para o País.