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Universidade - finalidade contra formalidade

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Por Sueli G. Dallari, Chester L. Cesar e Jorge Mancini
3 min de leitura

Qual o ponto de equilíbrio entre os controles jurídicos necessários para verificar a constitucionalidade dos procedimentos administrativos e o controle jurídico finalístico, para apurar se os órgãos públicos estão efetivamente desempenhando as funções para as quais foram criados? Essa questão vem provocando debates nas áreas de saúde e educação, criando o risco de bloqueio de importantes projetos das universidades públicas do Estado de São Paulo. A busca de resposta aos complexos problemas sociais exige, muitas vezes, a inserção da universidade na ordem prática, por demandar inovação e tecnologia que só são alcançáveis com a produção científica que ocorre principalmente nas universidades. Isso já foi reconhecido quando se criou a Universidade de São Paulo (USP), em 1934, para "promover a liberdade e a grandeza" do povo, permitindo ao País "tomar consciência de seus recursos e de seus destinos". A universidade ficou obrigada a "promover o progresso da ciência" e a "transmitir conhecimentos úteis à vida", como dispõe o decreto de sua criação. Um caso expressivo, de grande importância na atualidade, é a necessidade de integração de esforços objetivando a eficácia da vigilância sanitária. Para formar profissionais qualificados nessa área a universidade pode e deve trabalhar em estreita colaboração com os órgãos públicos responsáveis pelo exercício dessa função. A vigilância sanitária é essencialmente interdisciplinar e combina teoria e prática, fornecendo ao Estado os elementos necessários à proteção e promoção da saúde da população. Ela atua tanto na identificação e no controle dos riscos de doenças (como no caso da gripe A, por exemplo) quanto no controle da qualidade de medicamentos e produtos para a saúde (como é o caso das válvulas cardíacas ou das vacinas contra a gripe A). Esse campo do saber exige tecnologias diversas, que devem conjugar diferentes conhecimentos: da Engenharia de Materiais à Farmacotécnica, além de Epidemiologia e Direito, como também o conhecimento de múltiplas situações fáticas. Integrando diversos saberes e experiência prática, a universidade estará capacitada para transmitir conhecimento útil e formar profissionais na área de vigilância sanitária, propiciando o aumento da proteção da saúde das pessoas e a redução dos riscos de muitas doenças. Nesse caso, o controle jurídico da universidade deve dar especial atenção à verificação do cumprimento de suas finalidades, ou seja, se ela está formando profissionais competentes para defender a saúde das pessoas dos riscos de doenças. Esse controle é indispensável, tanto quanto é necessário controlar juridicamente o alcance das metas de gestão dos administradores públicos, exigência do Estado de Direito. Sem dúvida, é importante o controle jurídico dos procedimentos administrativos, que devem ser adequados para que sejam alcançados os fins dos órgãos públicos. Nessa linha, hoje não se aceita que alguém ingresse na carreira docente de uma universidade pública sem aprovação em concurso público, ainda que seja para ajudar a desenvolver uma área fundamental para a sociedade como a vigilância sanitária. É pacífico que o cargo de professor de universidade pública deve ser preenchido pelos mais aptos, selecionados, em igualdade de condições, dentre todos os cidadãos que tenham as qualidades requeridas. Esse é um ponto que deve ser objeto do controle jurídico da universidade. Onde estaria a dificuldade para encontrar o ponto de equilíbrio entre as duas formas de controle, o finalístico e o procedimental? Tomemos como exemplo a vigilância sanitária. Hoje a Universidade de São Paulo não consegue promover o progresso científico da vigilância sanitária e, em consequência, formar técnicos e profissionais qualificados para essa área, embora tenha condições para formar excelentes profissionais competentes em Engenharia de Materiais, Farmacotécnica, Epidemiologia ou Direito. A formação em vigilância sanitária exige um ambiente destinado a fomentar a pesquisa transdisciplinar, o que poderá ser concretizado com a criação de uma cátedra que reúna - num primeiro momento - pesquisadores mais experientes (jovens doutores) e alunos de mestrado e doutorado das escolas de Engenharia, Farmácia, Saúde Pública e Direito, com técnicos que atuam na área. Inicialmente esse fórum (que chamaremos cátedra) deverá ter característica transitória, até que se formem novos profissionais com essa experiência interdisciplinar. Ele seria o catalisador da inovação no ensino de graduação e o celeiro ideal para a busca de novos integrantes da carreira docente, com qualificação em vigilância sanitária. É importante saber que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem necessidade e interesse em viabilizar esse projeto na Universidade de São Paulo, dispondo-se a pagar a 15 pesquisadores e 45 bolsistas vinculados à Escola Politécnica e às Faculdade de Farmácia, Saúde Pública e Direito, durante cinco anos. Mas para que isso se concretize será necessário afastar o apego excessivo a pormenores formais que prejudicam os fins da universidade. Sem isso se corre o risco de que o exagero nos controles procedimentais termine por inviabilizar a consecução de um dos fins essenciais da universidade. Para superar essa barreira é necessário que a sociedade exija que a universidade, que desde sua criação é dotada de autonomia científica, didática e administrativa, e também econômica e financeira, dê prioridade ao cumprimento dos deveres inerentes à sua finalidade, em benefício de todo o povo brasileiro. Sueli Gandolfi Dallari é professora titular da Faculdade de Saúde Pública da USP Chester Luís Cesar é diretor da Faculdade de Saúde Pública da USP Jorge Mancini Filho é diretor da Faculdade de Farmácia da USP João Grandino Rodas é diretor da Faculdade de Direito da USP