26 de março de 2014 | 02h13
Se assim é nos mais variados setores, também a Justiça se tem orientado pela edificação de prédios cada vez maiores e sofisticados. Nem se fale em Brasília, com a profusão de sedes judiciárias compatíveis com a vocação de paraíso arquitetônico. Ali se planejou e concretizou exibição turística das mais arrojadas concepções de prédios públicos. Só que a tendência se espraiou por todo o Brasil. Municípios que nem sequer poderiam merecer a condição de entidade federativa, pois lutam com imensas dificuldades para obtenção de recursos, pretendem um Fórum maior, com previsão para o inevitável futuro crescimento, na forte judicialização que contaminou a República.
É saudável a inspiração de abrigar o Judiciário em sedes condignas. A Justiça é coisa séria. Ela existe para desatar nós. Nunca é demais recordar que injustiça, mesmo em doses homeopáticas, é veneno mortal. Mas é preciso lembrar que os recursos financeiros são finitos, para uma insaciável pretensão de crescimento. Exige-se prudência com gastos do povo.
Urge pensar em novas opções. Primeiro, por uma contingência incontornável: o Poder Judiciário tem orçamento limitado e insuficiente para fazer face às suas despesas, majoritariamente reservadas ao pagamento de pessoal. A Justiça é serviço público, realizado por servidores. Estes é que fazem a máquina funcionar. Priorizar a atividade-meio só se fará em detrimento da atividade-fim. Esta é que não pode ser relegada: o Judiciário é um solucionador de problemas. Não é uma empresa especializada em construir prédios. Sem a prática das empreiteiras sujeitar-se-ia às mesmas vicissitudes dos que precisam observar a Lei de Licitações. Contratar o menos oneroso e ver a obra incompleta, pois o povo tem razão quando diz que "o barato sai caro".
Depois, a pluralidade de situações reclama adoção de alternativas também plurais. O município é entidade da Federação desde 5/10/1988. Não dispõe de Justiça Municipal. O munícipe recorre à Justiça Estadual. Bem por isso, contribuir para a eficiência do Judiciário é dever da administração pública local. Alguns municípios paulistas constituem polos reconhecidos de desenvolvimento propiciado por diversos fatores. Têm arrecadação suficiente para construir Fóruns que servirão a seus cidadãos. Barueri é um exemplo: o Fórum é obra da prefeitura. Outros poderão segui-lo, servindo-se de parcerias público-privadas ou de modalidades diversas de partilha dos custos.
A sociedade também pode e deve concorrer. Alguns dos maiores clientes do Judiciário são bancos, instituições financeiras, concessionárias, prestadoras de serviços públicos delegados. Por que não auxiliar a comarca a dispor de um equipamento judicial adequado às suas reais necessidades?
A padronização é impossível e indesejável no atual momento, em que a criatividade é um valor cada vez mais necessário para o enfrentamento da complexa realidade brasileira. Se o município não dispõe de área considerada ideal, por que não edificar um Fórum vertical, concentrado num prédio com os andares suficientes para acolher todas as dependências judiciais?
Se o município conseguir arcar com um projeto de arquiteto de renome, que resulte numa atração turística a mais, melhor. Mas se não tiver condições para isso, por que não pensar numa construção racional, inteligente, simples e econômica? A Justiça em países de Primeiro Mundo não é suntuosa. Quem conhece o Judiciário alemão e da Escandinávia sabe bem disso.
De sua parte, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) está disponível para colaborar com o que for necessário. E justamente a pensar que a Justiça é serviço público e precisa ser eficiente, encara algumas iniciativas que poderão resultar em inegáveis ganhos para a comunidade. Flexibilização de horários, para que o funcionalismo, se vier a trabalhar por turnos, talvez possa desempenhar com grau maior de satisfação sua tarefa essencial. Uso compartilhado de salas de audiência, para que elas recebam utilização mais consentânea com o investimento que o povo fez. Não se justifica funcionamento apenas no período vespertino, quando é plenamente possível a realização de sessões durante a manhã. Equipamentos dispendiosos não podem ser subutilizados.
O mesmo se diga dos gabinetes. O gabinete posto à disposição do juiz não é propriedade dele. É um bem de uso específico, mas bem público. Juízes podem partilhar gabinetes e reduzir os tempos ociosos, para multiplicar a atuação da Justiça, excluída a necessidade de construção infinita de novos espaços.
É urgente republicanizar os usos e costumes na Justiça, cuja missão é pacificar, não exagerar nos ritos, no personalismo, na ênfase à transitória distinção entre seus integrantes e os demais cidadãos. É tempo de assumir o desafio da eficiência, para vencer os 93 milhões de processos em curso, 20 milhões deles só no Estado de São Paulo.
Recentemente perdemos Paco de Lucía, o revolucionário violonista que tem uma frase apropriada à reflexão que o Judiciário deve fazer: "Abri uma janela para que entrasse ar, com muito respeito à tradição, mas não obediência, o que é muito diferente".
Usar de forma inteligente os próprios da Justiça é deixar entrar o oxigênio da contemporaneidade, que tornará mais saudável a missão de resolver problemas humanos, sem menosprezo a um passado digno de todo o respeito.
*José Renato Nalini é presidente do TJSP.
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