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Opinião|Varas empresariais, avanço para o Brasil

A especialização da Justiça é necessidade elementar para uma gestão eficiente

O Brasil tem-se notabilizado como um país de insegurança jurídica e, por consequência, como um ambiente hostil para atrair investimentos que não busquem especular em função do risco. Na parcela que cabe à Justiça, a previsibilidade decorrente da aplicação da lei tem sido o maior desafio.

Em outras palavras, a conjugação da elementar premissa de conhecer a regra do jogo – e ter a certeza de que não mudará no meio do caminho – com a especialização da Justiça. A especialização da Justiça é uma necessidade elementar para uma gestão eficiente, que pode ser muito bem traduzida pela alocação adequada de experts para as maiores e mais complexas demandas.

Portanto, não faz sentido ter diversos juízes especializados em Direito Empresarial numa comarca cuja maioria dos processos tenha por objeto questões criminais. Posta nesses termos, a questão parece tão elementar quanto é a necessidade de conhecer, analisar e planejar os dados dos processos para uma gestão eficiente.

Em meio a tantas notícias desanimadores, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o maior tribunal do mundo em termos de quantidade de processos, implementa uma decisão fundamental para o desenvolvimento do Brasil: a inauguração de duas varas empresariais no Fórum Central da Comarca de São Paulo.

Há mais de dez anos, com muito esforço e sucesso, as câmaras reservadas do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo têm julgado as questões de Direito Empresarial, recuperação judicial e falências. Mas isso ocorria apenas nas hipóteses de recursos. Agora teremos uma Justiça completa e especializada desde o ingresso das ações judiciais.

Por isso, não há dúvida de que em curto espaço de tempo poderemos colher os números para justificar estatisticamente o sucesso de uma Justiça completamente especializada que permitirá, em longo prazo, diminuir os litígios a partir do ajuste cultural da sociedade e do empresariado, que passa a adequar-se às normas interpretadas pelo Poder Judiciário.

Não é por acaso que o Banco Mundial considera como um critério para a sua metodologia de análise que um país detenha uma Justiça especializada em matéria empresarial, com magistrados de primeira e de segunda instâncias. Essa constatação decorre da avaliação denominada Doing Business 2017, uma das principais publicações do grupo do Banco Mundial, que analisa a cada ano as leis e regulações que facilitam ou dificultam as atividades das empresas em cada economia.

Dentro da análise de 11 áreas do ciclo de vida de uma empresa, destacam-se a execução de contratos e a resolução de insolvência na classificação das economias em termos da facilidade de se fazer negócios, sendo certo que o Brasil se encontra na 123.ª posição do ranking que analisou 190 economias ao redor do mundo.

É muito pouco para o potencial do País e demonstra quão acertada foi a decisão de instalar no Fórum Central da Comarca de São Paulo as primeiras duas varas especializadas em matéria empresarial, proporcionando uma Justiça empresarial verticalizada: cinco varas em primeira instância e duas câmaras reservadas em segunda instância dedicadas às questões comerciais.

A especialização em primeira instância não se tornou viável antes pela ausência de dados confiáveis que identificassem a existência de volume suficiente de processos empresariais que a justificasse. A atual Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo intuiu que esses dados seriam deficientes, considerando que a cidade de São Paulo, a décima mais rica do mundo, concentra 600 mil empresas e responde por mais de 12% do produto interno bruto (PIB) do Brasil.

Para auxiliar no aprofundamento dessa discussão foram chamadas a Associação Brasileira de Jurimetria e o Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), que elaboraram um estudo com o objetivo de responder a duas perguntas: quantas ações empresariais são distribuídas por ano na comarca e qual a carga de trabalho a elas associada. Com isso a corregedoria poderia verificar não só a necessidade das varas, mas também a quantidade de juízes a serem alocados.

Como esperado, o estudo jurimétrico estimou a quantidade de processos empresariais não classificados, bem como a carga de trabalho dos litígios comerciais, que varia entre duas a quatro vezes a carga de um processo cível comum. Além disso, o estudo concluiu que pelo menos duas varas empresariais seriam necessárias, além das três varas de falência e recuperação judicial, que deveriam ter sua especialização preservada.

Também, de forma exemplar, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo dialogou com a advocacia, os empresários, os professores de Direito Comercial, por intermédio das suas associações mais representativas, o que levou ao amadurecimento e ao apoio fundamental para que o projeto fosse aprovado e implementado.

A partir de 5 de dezembro de 2017, São Paulo passou a ser a única jurisdição no Brasil com especialização vertical da Justiça Empresarial, incluindo primeira e segunda instâncias, numa estrutura à altura da relevância econômica da cidade e do Estado. Além de atender a uma antiga demanda do Banco Mundial e outras entidades multilaterais, que melhorará a posição do Brasil nos rankings internacionais de negócios, a especialização trará ganhos em três vetores fundamentais para reduzir o custo operacional do empresário paulista: maior rapidez nos julgamentos, melhor qualidade técnica das decisões e maior previsibilidade.

Trata-se de um exemplo a ser seguido pelos demais.

* MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, JOSÉ HORÁCIO HALFELD REZENDE RIBEIRO E MARCELO GUEDES NUNES SÃO RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, PRESIDENTE DO INSTITUTO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO E PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JURIMETRIA

Opinião por MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS
JOSÉ HORÁCIO HALFELD REZENDE RIBEIRO E MARCELO GUEDES NUNES