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Vendendo gato por lebre

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Por Redação
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Em artigo no Estado de quinta-feira, o professor Eugênio Bucci analisou com precisão a relevante questão do marco regulatório da radiodifusão no Brasil, que definiu como "uma necessidade real da democracia e do mercado brasileiros": "A radiodifusão requer um marco regulatório eficaz. O exemplo vem das democracias que nos servem de referência: só com a regulamentação e regulação é possível preservar a concorrência comercial saudável - inibindo monopólios e oligopólios - e estimular a diversidade, num modelo que, como preconiza a Constituição Federal, combine os sistemas privado, público e estatal." Esquerdistas e oportunistas de vários matizes se apropriaram da tese de que a radiodifusão e as telecomunicações no Brasil precisam de regulamentação. E passaram a atribuir atitude oposta àqueles que consideram adversários, entre eles - na verdade, principalmente - a maior parte da Imprensa. Embora tenha pouco em comum com o chamado pensamento de "esquerda", nos últimos meses o pragmático presidente Lula, por conveniência eleitoral somada a insondáveis motivações pessoais, engrossou a algaravia contra a Imprensa, no que foi sempre secundado por seu ministro da Comunicação Social, Franklin Martins. Ninguém com no mínimo dois neurônios no cérebro consegue discordar da necessidade de um novo marco regulatório para o funcionamento das emissoras de rádio e televisão, além, obviamente, da chamada mídia digital. Se não fosse por outras razões, por uma que é definitiva: a legislação em vigor sobre o assunto data de 1962, época em que ninguém pensava ainda em computador pessoal, internet, web, telefone celular, etc. A questão começou a se complicar quando, no embalo da inquestionável necessidade de modernização da legislação relativa aos meios de radiodifusão e telecomunicação, passou a ser maliciosamente contrabandeada para essa agenda de discussão a proposta de "controle social" da mídia, claramente entendido como fiscalização dos conteúdos divulgados pelos veículos de comunicação: jornais, revistas, rádio, televisão e, agora também, sítios, blogs e outras fontes da internet. Uma coisa - marco regulatório da radiodifusão - não tem nada a ver com a outra - controle de conteúdo da Imprensa - senão na cabeça dos desavisados, mal-intencionados ou sectários. Mesmo porque a ideia de "controle social" abrange, é claro, a mídia impressa, jornais e revistas, que entram na questão do marco regulatório das telecomunicações como Pilatos no Credo. Algumas pistas sobre as verdadeiras intenções dos arautos do tal "controle social" da mídia podem ser levantadas a partir, por exemplo, da 1.ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada um ano atrás em Brasília. Esse evento foi a culminância do incansável trabalho de proselitismo da intervenção estatal nos meios de comunicação que Franklin Martins passou a desenvolver em todo o País no instante em que se tornou ministro. Empenho que, aliás, já começou a produzir resultados, na forma de projetos de criação de conselhos estaduais de comunicação apresentados às Assembleias Legislativas de vários Estados - assunto que o professor Bucci também colocou em seus devidos termos no artigo mencionado. Durante a Confecom, a militância radical deitou e rolou sobre o tema "controle social" e chegou a apresentar projeto de criação de um "órgão fiscalizador" das notícias e opiniões divulgadas pelos veículos de comunicação em todo o País. Em qualquer lugar do mundo, em qualquer tempo, isso tem um nome: censura. O plenário teve o bom senso de recusar a ideia. A insistência dos prosélitos do ministro Martins em contaminar o debate de uma questão importante e urgente - repetimos, o marco regulatório da radiodifusão - com o tema capcioso do "controle social" da mídia, uma tentativa espúria de vender gato por lebre, resulta em que a discussão não progride e a legislação regulatória em questão permanece obsoleta. Como conclui o professor Bucci, "o problema desses foguetórios aloprados é que atrapalham a discussão mais séria e mais urgente. Atrapalham um bocado".