Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Venezuela na UTI

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

A irresponsável aventura bolivariana na Venezuela não para de dar seus frutos. Um dos mais recentes, e graves, é a escassez generalizada de insumos médicos e hospitalares, que ocorre já há algum tempo, mas que neste mês atingiu um ponto crítico. Faltam desde materiais básicos, como bisturis e gaze, até produtos para procedimentos complexos. A Associação Venezuelana de Clínicas e Hospitais e outras entidades médicas qualificam a situação de "crise humanitária".O problema é o mesmo que atinge diversos outros setores da economia: o controle rígido do câmbio para tentar estancar a sangria de dólares impede que fornecedores estrangeiros recebam o pagamento pelos seus produtos e serviços. O calote na área de materiais e insumos atingiu US$ 363 milhões, enquanto na área de remédios e matérias-primas as dívidas pendentes somam US$ 970 milhões. Isso gerou perda de credibilidade com os fornecedores, queixou-se Cristino García Doval, presidente da associação de hospitais. Como a Venezuela importa 90% dos insumos médicos e hospitalares, é possível dimensionar o tamanho do problema.As consequências são inúmeras, muitas delas dramáticas. Sete clínicas de Caracas decidiram suspender as cirurgias eletivas para poder atender somente às emergências. Cerca de 6 mil pacientes com cirurgias marcadas não puderam ser operados por falta de material. O presidente da Sociedade Venezuelana de Anestesiologia, Nerio Bracho, disse que o déficit de anestésicos inaláveis, por exemplo, atinge 90%.No início do mês, a Associação Venezuelana de Distribuidores de Equipamentos Médicos entregou um volumoso relatório à Assembleia Nacional - o Congresso do país, dominado pelos chavistas - para denunciar a situação e pedir providências. Foi o segundo produzido em três meses. O presidente Nicolás Maduro também foi informado diversas vezes sobre o problema. Segundo as entidades médicas, ainda não houve reação dos parlamentares nem do governo.Em nota, a Sociedade Venezuelana de Saúde Pública advertiu que "a falta de respostas do governo para os problemas identificados há meses nos conduz irremediavelmente a uma crise humanitária na saúde, como já advertimos publicamente em janeiro deste ano, com graves e imprevisíveis consequências para a saúde e a vida das pessoas".Além de não dar nenhuma satisfação para as organizações médicas, Maduro parece mais interessado em privilegiar sua agenda política e ideológica, ao lotar um avião com alimentos, remédios e equipamentos hospitalares e enviá-lo à Faixa de Gaza. Não foi a primeira vez que o governo chavista, em meio ao agudo desabastecimento na Venezuela, prestou "ajuda humanitária" a sócios de sua empreitada anti-imperialista, como Cuba e Síria. Enquanto isso, em seu país, pacientes deixam de ser operados e consumidores enfrentam filas para comprar comida, situação que mais se assemelha à de lugares conflagrados pela guerra.Mas nada disso surpreende. A despeito do discurso de que o chavismo revolucionou os serviços públicos na Venezuela, em atendimento aos pobres, a administração da saúde na última década sempre foi amadora, dependente do voluntarismo típico de governos autoritários. Em 2009, o então presidente Hugo Chávez reconheceu o descalabro e declarou situação de emergência na área de saúde dentro do seu principal programa social, o Bairro Adentro. No entanto, em vez de atacar o cerne do problema - corrupção desenfreada e má administração dos recursos -, a solução encontrada foi a mera importação de mais médicos cubanos, que se somaram ao enorme contingente que já atuava no país.O paliativo nada resolveu, como se observa agora. No final do ano passado, Maduro admitiu que a situação dos hospitais era "uma vergonha". Foi um súbito acesso de sinceridade, que, todavia, não resultou em nenhuma medida para encaminhar uma solução concreta. Ao contrário: a inépcia do governo venezuelano está atirando o país de vez na UTI.