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Veto a investigações secretas

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Por Fábio Tofic Simantob
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O jornal O Estado de S. Paulo publicou no dia 26 de agosto reportagem sob o título Corregedor do Ministério Público veta ação secreta. Por sua vez, o site Consultor Jurídico publicou recentemente notícia de um procedimento investigatório que tramitava havia seis anos no âmbito exclusivo do Ministério Público Federal, tornado público graças à iniciativa do último procurador oficiante na investigação de enviar os autos à Justiça. A notícia de investigações secretas é grave e merece a atenção das instituições. Qualquer atuação institucional deve ser pública, ou seja, mantida sob o olhar fiscalizador de outra instituição, mesmo que seja sob sigilo. Sigilo é uma coisa, surdina é outra. Há uma enorme diferença entre investigação sigilosa e investigação secreta ou até clandestina: a primeira é investigação, a outra é espionagem. Só um espião guarda a sete chaves o que está investigando, sem a ciência de um órgão judicial. Nem a polícia - com poderes investigatórios, no mínimo, mais abrangentes que os de qualquer outro órgão - pode investigar um fato por mais de 30 dias sem o noticiar ao Judiciário. É o que diz o artigo 10 do Código de Processo Penal (CPP), ao dispor que "o inquérito deverá terminar no prazo de dez dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela". Por que com outro órgão da República haveria de ser diferente? Investigar um cidadão por anos a fio no âmbito interno da instituição dá ao órgão o caráter de serviço secreto. E serviço secreto, onde quer que seja, especializa-se na investigação de pessoas, e não de fatos. Assim foi com a KGB, com o Dops, com o SNI... É bom lembrar que a polícia é o órgão competente por excelência para realizar investigação criminal. Nosso Código de Processo Penal nem sequer prevê regras para investigação criminal realizada por outro órgão. Na última década, em razão das enormes contribuições do Ministério Público no combate ao crime, seus membros passaram a reivindicar institucionalmente o reconhecimento do mesmo poder de investigar das chamadas polícias judiciárias (Polícias Civil e Federal). O argumento usado pela instituição e que, diga-se de passagem, já convenceu os ministros que integram a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, é o de que o artigo 129 da Constituição, ao enumerar as atribuições do Ministério Público, não o proíbe de promover investigação criminal. Logo, não haveria nenhum óbice legal ou constitucional à atividade investigatória ministerial. Se o poder de investigar do Ministério Público parece serem favas contadas, resta definir os limites desse poder. Como nossa lei processual carece de regras a esse respeito, o mais sensato é dar ao Ministério Público poder não maior que o previsto para a autoridade policial. É nesse sentido que uma investigação levada a efeito no âmbito interno do Ministério Público não pode durar mais de 30 dias sem ser comunicada ao Judiciário. Até mesmo se o promotor entender que é caso de arquivamento, não poderá arquivar solitariamente a investigação, já que a polícia também não desfruta esse poder (o artigo 17 do CPP diz expressamente que "a autoridade policial não poderá arquivar autos de inquérito"). O inquérito deve obrigatoriamente ser enviado à Justiça, na qual, após a manifestação do membro do Ministério Público, um juiz decidirá se é caso ou não de arquivamento (artigo 18 da lei processual penal). O fato de investigar secretamente retira da sociedade o poder de fiscalizar a investigação. E por que isso é importante? Ora, fiscalizar a investigação é importante para prevenir perseguições pessoais ou políticas, corrupção, uso da máquina para satisfação de interesse pessoal e toda sorte de abusos que o ser humano fica tentado a cometer quando não presta contas de nada a ninguém. Há, além de tudo, um enorme arcabouço de regras constitucionais e legais que balizam a investigação criminal, que vão desde a competência institucional até normas sobre a natureza das questões sujeitas a investigação (não se podem apurar no âmbito criminal fatos que evidentemente não constituem crime; parece óbvio, mas acontece), passando pela origem da investigação (parte da jurisprudência atual repudia a abertura de inquéritos inaugurados com denúncia anônima). Questões como essas, caras ao Estado Democrático de Direito, são jogadas ladeira abaixo quando a instituição que investiga se sente no poder de não dar satisfação a ninguém a respeito do que está investigando. O maior problema de investigações herméticas dentro de um único órgão é o prazo ilimitado de duração (coisa que só se viu na polícia secreta soviética e se traduz na inaceitável investigação de pessoas, e não de fatos). Mesmo livres do comunismo, os países da antiga Cortina de Ferro ainda lutam para se libertar da herança deixada pelo serviço secreto, tamanho o poder que detinha sobre a vida dos outros. Isso leva a um problema ainda maior, que é a margem de arbitrariedade que a prática acaba consagrando; ou melhor, permite que um agente estatal decida, por si, o rumo que pretende dar à investigação. Ou seja, a partir daí, é um passo para a prática de um sem-número de crimes funcionais (da prevaricação à corrupção, passando pela denunciação caluniosa) que, em razão do caráter secreto (frise-se, diferente de sigiloso) da investigação, nunca serão descobertos. A posição do corregedor do Ministério Público de proibir investigações secretas dentro da instituição vai ao encontro do espírito democrático consagrado na Constituição federal e representa um avanço da Nação na fiscalização dos Poderes institucionais. Fábio Tofic Simantob, advogado criminalista, é diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa