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Vexame no mercado

Após falhar na previsão dos juros, operadores de mercado tentaram culpar o Copom por seu erro

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Por Redação
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Depois de falhar miseravelmente na previsão de como ficariam os juros após a reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC), analistas e operadores do mercado tentaram culpar a autoridade por seu erro. Houve um deslize na comunicação do BC, de acordo com economistas ouvidos pelo Broadcast, serviço de informação online da Agência Estado. Só os verdadeiramente desinformados poderiam levar a sério essa explicação. Os profissionais do mercado fariam papel menos vergonhoso se admitissem seu erro. Em vez de usar seu instrumental para analisar os dados e fundamentar uma aposta, escolheram o caminho mais cômodo – e errado. Preferiram confiar numa interpretação fácil e confortável de sinais do Copom e de palavras do presidente do BC, Ilan Goldfajn. Essa interpretação foi errada e revelou desatenção aos fatos do mercado e à declaração de Goldfajn. Entrevistadores da Globonews haviam perguntado ao presidente do BC, no dia 8, se a alta do dólar afetaria a decisão do Copom na reunião da semana seguinte. A resposta foi quase protocolar, mas nem por isso imprecisa: “O BC, num regime de metas de inflação, olha para a inflação, para a atividade. É isso que importa. Vamos analisar todas essas condições”.

Na mesma entrevista, Goldfajn comentou a alta da moeda americana como questão internacional. “A subida do dólar é normal”, disse ele, “não é problema do Brasil.” De fato, havia instabilidade cambial em quase todo o mundo. Em nenhum momento, no entanto, ele apontou essa instabilidade como irrelevante para o País.

A decisão do Copom seguiu rigorosamente o padrão indicado pelo presidente do BC. O foco principal foi, como sempre, a perspectiva de inflação. As contas foram refeitas, com inclusão de um dólar mais alto (cotado a R$ 3,60), e o novo cálculo indicou inflação de 4% em 2018 e a mesma taxa em 2019. Esse detalhe aparece em nota distribuída ao anoitecer de quarta-feira, logo depois da reunião do Copom. Com os preços aumentando 4%, 0,5 ponto mais que na projeção baseada nas condições anteriores, a inflação ficaria, de novo, bem perto da meta de 4,5% e dentro da área de tolerância.

Os técnicos do BC fizeram, simplesmente, a lição de casa. Os economistas do mercado, pode-se imaginar, devem ter feito um exercício semelhante, incorporando em seus cálculos um dólar mais caro, talvez até acima de R$ 3,60. Se essa conta foi feita, pode-se perguntar por que tanta gente continuou apostando em mais um corte de juros. Por uma interpretação – errada, como se viu – das palavras de Goldfajn?

O pessoal do Copom desprezaria, segundo esses economistas, o presumível efeito inflacionário da alta do dólar? Menosprezaria a intensificação da turbulência cambial observada nos dias anteriores à reunião sobre política monetária?

Seria possível, talvez, argumentar a favor dessa hipótese com base na inflação baixa e na perda de impulso da recuperação econômica. Mas seria preciso, nesse caso, atribuir à autoridade monetária um sangue-frio notável, ou até uma inesperada irresponsabilidade, em face da crescente pressão cambial e da perda de atrativo dos emergentes. A pressão cambial, assim como a crescente aversão ao risco entre os aplicadores internacionais, já se havia convertido, no entanto, num dos principais assuntos do próprio mercado. Tudo isso parece um estranho episódio de esquizofrenia.

Não houve falha na comunicação do BC. Essa comunicação tem melhorado, como é geralmente reconhecido, e nada parece ter mudado. Não se deve, no entanto, confundir comunicação clara e funcional com indicação detalhada e unívoca das próximas decisões da autoridade monetária. O Federal Reserve, o BC dos Estados Unidos, manteve os juros na última reunião, embora houvesse razões consideráveis para nova alta. Lá também as apostas do mercado foram erradas, naquele momento, embora a percepção geral do rumo da política fosse correta. No Brasil, o engano dos apostadores foi mais grave. Eles podem tentar justificar-se perante os investidores, mas é feio tentar jogar a culpa sobre o Banco Central.