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Vitória da frustração

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Por Redação
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A vitória do Partido Democrático do Japão (PDJ) está sendo considerada histórica, avassaladora, símbolo do fim do sistema político que predominou desde o fim da 2ª Guerra Mundial, marco de uma nova era. Os números do triunfo alcançado na eleição de domingo pelo PDJ, que tem como líder Yukio Hatoyama, de fato, impressionam. O PDJ obteve pelo menos 308 das 480 cadeiras da Câmara Baixa do Parlamento japonês, o que lhe assegura o direito de escolher, dentro de 15 dias, o novo primeiro-ministro. Derrotou nas urnas o Partido Liberal Democrático (PLD), que governou o Japão de maneira praticamente ininterrupta nos últimos 55 anos. "Finalmente, vamos conseguir mexer na política, criar um novo tipo de política que corresponda às expectativas das pessoas", proclamou Hatoyama, cuja vitória vinha sendo prognosticada desde que, há pouco mais de um mês, o atual primeiro-ministro, Taro Aso, decidiu convocar eleições. Quanto à composição do Parlamento, a mudança é inquestionável. O que se pergunta é se a essa mudança corresponderão outras, nos programas econômicos e sociais do governo, para estabelecer as bases de um crescimento firme, e no rumo da política japonesa, até hoje fortemente marcada pela aliança entre o partido que governou durante cinco décadas, o empresariado industrial e a burocracia. Embora esmagadoramente favorável ao PDJ, o resultado não pode ser considerado simplesmente uma vitória da oposição. Parece mais adequado considerá-lo como a derrota do PLD. Em boa parte, ele reflete a frustração dos japoneses com os sucessivos governos do PLD desde a aposentadoria do carismático primeiro-ministro Junichiro Koizumi, que promoveu importantes reformas econômicas e administrativas. Nenhum dos três políticos que ocuparam a chefia do governo depois de Koizumi soube responder adequadamente aos anseios do eleitorado. Os problemas da economia japonesa - crescimento pífio, aumento do desemprego, que gerou insegurança na população - já alimentavam a sensação de fracasso entre o eleitorado. Os japoneses mal tiveram tempo de usufruir o curto período de recuperação, pois o país foi um dos mais severamente atingidos pela crise. Pesquisa recente feita pelo Asahi Shimbun, um dos mais importantes jornais do país, constatou que apenas 25% dos eleitores esperam que uma mudança de governo resultará em mudança de rumos. Outros 54% estão céticos: acham que nada mudará com a mudança do partido no poder. Isso representa um problema adicional para o PDJ, que, embora tenha em seus quadros antigos membros do PLD, a começar por Hatoyama, não tem experiência de poder. Essa inexperiência pode ser fatal para a administração do PDJ, pois seu programa exigirá mudanças profundas na maneira de atuar do governo, cujas ações dependem da boa vontade da burocracia. Entre outras coisas, o PDJ propõe um Estado de bem-estar social, baseado no aumento das aposentadorias, na ajuda direta às famílias para a educação dos filhos, na melhoria do sistema de saúde e em subsídios para o treinamento de desempregados. Tudo isso requer dinheiro, mas o governo vive uma crise fiscal, com dívida que equivale a 200% de tudo o que produz a segunda maior economia do mundo. Se quiser colocar em prática seu programa, o governo do PDJ terá de cortar fundo outros gastos, sobretudo obras públicas, que asseguraram a aliança entre o partido governista, as empresas e os burocratas. Em artigo que o Estado reproduziu domingo, Hatoyama fala na necessidade de "pôr fim ao fundamentalismo de mercado irrestrito e ao capitalismo financeiro carente de moral" e afirma que "precisamos voltar à ideia de fraternidade como uma força capaz de diminuir o perigo inerente da liberdade". São palavras que podem assegurar votos, mas insuficientes para garantir o êxito do programa de mudanças que propõe. Melhor será para o mundo se esse programa der certo. Melhor ainda para centenas de milhares de brasileiros que tentam, no Japão, encontrar uma vida melhor do que a que tinham no Brasil, mas foram, como todos os japoneses, atingidos pela crise. A retomada do crescimento japonês seria benéfica para todos.