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Vitória que não reabilita

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Por Redação
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Tão precipitadas como se revelaram as previsões de que o Supremo Tribunal Federal (STF) livraria por esmagadora maioria de votos o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci da acusação de ter ordenado a violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, parecem ser as avaliações de que agora ele tem tudo para reconstituir a sua imagem pública e retomar, nas urnas de 2010, uma carreira política para a qual o céu seria o limite. Palocci terá de se haver - e não apenas pelo tempo de uma campanha - com um tribunal mais cético sobre sua inocência do que a Corte que acabou de poupá-lo, por um único voto de diferença, da 21ª denúncia criminal de que foi alvo. As outras 20 se referem a uma variedade de alegados delitos que remontam à sua gestão como prefeito de Ribeirão Preto. Ele ainda responde a uma dezena de ações civis por improbidade administrativa em instâncias judiciais inferiores. Não há o menor motivo para supor que a apertada decisão do STF induzirá o chamado tribunal da opinião pública a ver Palocci com os mesmos olhos de antes do fatídico 14 de março de 2006, quando, em entrevista a este jornal, Francenildo contou o que testemunhara das visitas do então ministro à trepidante sede da "República de Ribeirão", a casa do Lago Sul, em Brasília, onde rolavam alegres noitadas e onde dinheiro manchado passava de mão em mão. O relato do rapaz, autenticado por sua figura humilde e desprevenida, apresentou ao País um Palocci que estaria como o Mr. Hyde para o Dr. Jekyll do romance de Robert Louis Stevenson sobre o médico que à noite se transforma em monstro. O político que idealizou a tranquilizadora Carta ao Povo Brasileiro do candidato Lula da Silva, em junho de 2002, conduziu a transição de alto nível do governo que saía para o que entrava, levou a porto seguro a economia nacional e se tornou o mais respeitado interlocutor do Brasil com o exterior tinha, em suma, dupla personalidade. O Palocci da treva, na percepção do público, não só confraternizava com a corrupção. Passados dois dias da entrevista do caseiro, o ministro recebeu das mãos do então presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, um extrato da conta de Francenildo, emitido com a torpe intenção de provar que ele havia sido pago para falar o que falou - e em seguida o impresso foi vazado para a revista Época. Como agiram nesses dois dias os três acusados pelo novo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, foi minuciosamente descrito na sua denúncia ao plenário do STF em detalhes que tiveram o sabor de um escandaloso flagrante, que foi a base da argumentação dos quatro ministros que votaram pela aceitação da denúncia de Palocci. Todos os lances dessa trama foram publicados na mídia na ocasião. Foi por isso que, uma semana depois, Palocci deixou o governo. Para os 5 ministros do STF que votaram pelo arquivamento da ação, no entanto, entre eles o relator Gilmar Mendes, não ficou provado que o ministro participara da quebra do sigilo. Mas, para o homem da rua, há de ter ficado robustecida a impressão de que existem no País duas Justiças - uma para o povo, outra para os poderosos. A imagem transmitida pela TV de um Francenildo aplastado pelo veredicto simbolizaria, mais do que qualquer outra coisa, a realidade desse sistema de dois pesos e duas medidas. Até o fato de o Supremo aceitar, por unanimidade, o pedido de abertura de processo contra Mattoso em tribunal de primeira instância pode servir aos detratores do Judiciário. Na denúncia do procurador está a história completa e minuciosa do "dia da quebra do sigilo" que terminou com Mattoso levando à casa de Palocci, às 23h30, os dados que ele lhe pedira; tudo publicado pelos jornais no dia seguinte. E não será descabido o prognóstico de que uma parcela talvez decisiva do eleitorado se sensibilize pela evocação do caso a que os adversários de Palocci decerto tratarão de recorrer, se realmente o presidente Lula conseguir fazer dele o candidato do PT ao governo de São Paulo. Meses atrás, confiante num desfecho favorável da questão no STF e no prestígio de Palocci junto ao empresariado paulista, Lula disse numa conversa a bordo do avião presidencial que Palocci era o nome de sua preferência para o Palácio dos Bandeirantes. Palocci, porém, não parece minimamente interessado em disputar uma eleição que ele sabe que não terá chance de vencer contra um PSDB unido em torno de Geraldo Alckmin.