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Opinião|Você no poder: como funciona

O sistema de voto distrital puro põe em cima de cada político um patrão, que é você

Atualização:

Muita gente perguntando como, exatamente, funciona o sistema distrital puro...

O sistema eleitoral define tudo o que vai acontecer na relação entre governo e cidadão da eleição em diante. Todo governo é uma hierarquia. Cada modelo estabelece essencialmente quem vai ter a última palavra nas decisões que afetam a todos.

Quando você vota por um sistema proporcional, em que o candidato colhe um voto aqui, outro ali no Estado inteiro, uma vez depositado o voto na urna está cortada qualquer possibilidade de identificação entre quem foi eleito e quem o elegeu. No sistema distrital misto dá pra saber que pedaço do País votou em quem, mas você entrega ao partido a decisão sobre o que fazer com o representante que perder a sua confiança.

A democracia foi inventada para inverter o jogo ancestral da minoria mandando na maioria na base da violência, mas sem que a maioria se transformasse em outra forma de tirania contra as minorias. O voto distrital puro com recall, referendo e iniciativa é a única fórmula que entrega essas duas coisas juntas. Mas atenção! O voto distrital não é um fim, é só um meio para um objetivo mais amplo. O sistema tem de ser o distrital puro para que os direitos de recall, referendo e iniciativa – estes, sim, as ferramentas operacionais que mudam tudo – possam ser exercidos com garantia de legitimidade e sem ter de parar o país inteiro a cada passo.

Esse sistema permite que, com a maior facilidade, mas não qualquer facilidade, cada eleitor convoque um recall ou referendo indubitavelmente do seu representante, a ser votado só no seu distrito, acionando um mecanismo absolutamente transparente. Qualquer cidadão das maiorias ou das minorias eventuais em que o distrito se divide a cada eleição poderá iniciar um processo de recall contra o representante que, uma vez eleito, passa a ser o representante daquele distrito. Se colher o número estipulado de assinaturas, o distrito inteiro é chamado a votar de novo para derrubar ou manter, seja o representante, seja a lei do legislativo local (municipal ou estadual) que se queira desafiar por referendo.

Para garantir a legitimidade e a funcionalidade desses processos num sistema representativo cada distrito tem de ser desenhado em cima do mapa real da população e ter aproximadamente o mesmo numero de pessoas. Assim, um município pode decidir quantos representantes quer ter na sua Câmara Municipal, mas o tamanho dos seus distritos eleitorais será dado pela divisão do total de habitantes pelo número de representantes desejado. Os distritos estaduais e federais serão sobrepostos aos distritos menores.

Uma vez estabelecidos, esses distritos municipais, estaduais ou nacionais são numerados e daí para a frente só poderão ser alterados em função do censo populacional, um critério inteiramente objetivo. Cada eleitor passa a ser um “Eleitor do Distrito (municipal, estadual ou federal) n.º Tal” até o censo registrar que ele mudou de lá. Como cada representante só pode disputar os votos de um único distrito, quem for eleito terá condições de saber o nome e o endereço de cada um dos seus representados, e vice-versa.

Por isso nos Estados Unidos os deputados do Congresso Nacional não são representantes do “Estado fulano”, são representantes do “Distrito Congressional n.º Tal”. Esse distrito tende a coincidir com um Estado, mas isso não é obrigatório. No Senado, sim, a representação é dos Estados, independentemente da população. Dois senadores por Estado. Na Câmara o único limite é o mínimo de um representante mesmo para Estados que tenham menos de 700 mil habitantes, que é o tamanho de cada distrito nacional, porque eles têm 435 deputados e são 304 milhões de habitantes. Cada deputado representa, portanto, “aqueles” 700 mil cidadãos com existência física e endereço certo e sabido. Num Brasil de 513 deputados cada distrito federal teria cerca de 400 mil habitantes. Se algum representante morrer, renunciar ou sair do Congresso por qualquer motivo, não tem suplente ou reposição pelo partido. Convoca-se outra eleição só naquele distrito para eleger o substituto. O representante de cada eleitor nos centros de decisão é pessoal e intransferível. Você, e só você, põe o seu representante. Você, e só você, tira o representante de lá se ele não o representar bem. A imunidade protege o eleitor, e não o representante, que não fala por si, fala por você. O eleitor não tem de dar nenhuma satisfação para fazer um recall ou “retomar” um mandato. Só tem de consultar os demais representados dele. Se a maioria dos eleitores do distrito concordar, rua!

O resto é o federalismo que faz. Como tudo deve estar sempre referido a pessoas, a única fonte de legitimidade do processo político, tudo deve partir e tudo deve voltar, na maior medida possível, para a célula eleitoral mais próxima do indivíduo: o bairro, o distrito. Lá ele tem de ter plenos podres. Daí para cima quem ordena as relações entre as instâncias maiores e menores de representação é o principio do federalismo. Ele estabelece que tudo o que puder ser resolvido por um único distrito – a escola local, por exemplo – deve ser decidido, gerido e, se possível, financiado por esse distrito. Ao município, um conjunto de distritos, deve ser deixado tudo o que pode ser decidido e financiado num único município (parques, zoneamento, regras de convivência, polícia local, saneamento, etc.). Aos Estados, só o que não puder ser resolvido por um único município (como estradas, combate ao crime, etc.). E à União, apenas o que não puder ser resolvido por um único Estado (diplomacia, relações internacionais, controle da moeda e defesa nacional).

Num sistema desses acaba aquele papo do “eu falo em nome do povo”. Passa a ser possível conferir isso, preto no branco, só pelas pessoas afetadas por cada tipo de decisão a ser tomada. Não há milagre. Esse sistema põe um patrão em cima de cada político – você! –, que fica obrigado a jogar do jeitinho que você quiser para não perder o emprego.

*Jornalista, escreve em www.vespeiro.com