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Opinião|Volta às aulas abre chance de parcerias

Reinício das atividades escolares vai exigir esforços conjuntos de instituições, governos e famílias

Atualização:

O reinício das aulas foi anunciado no Estado de São Paulo: a partir de 8 de setembro, as escolas poderão retomar aulas presenciais com parte dos alunos. Há alguns critérios para que isso ocorra, como medidas de higiene, por exemplo, mas a notícia causou muitas reações.

Há famílias que consideram a retomada este ano uma atitude precipitada e os argumentos para contestar a decisão são realistas. Primeiramente, o fato de não termos vacina contra a covid-19 deixa a população sempre em risco, por maiores que sejam os cuidados tomados. Apesar de sabermos que as crianças se infectam menos e, talvez, transmitam menos o vírus, a ida delas à escola e a estada delas lá envolvem um considerável número de pessoas. Há pais que não querem correr tal risco.

Estudantes do Colégio Claude Debussy em Angers, na França Foto: Damien Meyer/AFP

Há também os que afirmam que poucas escolas possuem condições físicas para atender alunos presencialmente: em geral, as salas de aula são fechadas por paredes, com porta e janelas pequenas – quando não com vitrô basculante – que não possibilitam boa ventilação. Ainda levantam o reduzido número de trabalhadores para a higienização frequente dos espaços e ausência de pias suficientes para todos: alunos, educadores e trabalhadores.

Isso sem falar na dificuldade de a instituição escolar lidar com relativo êxito em determinadas situações. Uma mãe refletiu em um grupo de mensagens instantâneas: “A escola mal dá conta de piolho, que se prolifera rapidamente entre os alunos, como vai dar conta do coronavírus?”.

Há famílias favoráveis ao retorno tão logo seja possível, é claro. Os argumentos também são valiosos: a falta que tem feito aos mais novos o relacionamento com colegas e professores, o processo de socialização pública interrompido, a organização do cotidiano um tanto quanto atrapalhada, a tranquilidade dos pais para ir ao trabalho sabendo que os filhos estão em um local confiável para eles e a aprendizagem que, para crianças, depende bastante do vínculo presencial estabelecido com os professores e com a escola.

Bem, mas há como resolver isso? Temos, aqui, uma boa oportunidade para inaugurar uma nova relação entre a escola e a comunidade que a frequenta. Que tal construir uma parceria escola/família de verdade? Nunca tivemos essa chance antes! Mas, como?

Primeiramente, formando uma comissão gestora desse retorno às aulas com a participação de todos os envolvidos: representantes de pais, de docentes, da direção da escola, dos trabalhadores da instituição escolar, dos alunos. Importante é lembrar que o objetivo de integrantes tão diferentes é o mesmo: o retorno às aulas eficiente no processo de ensino/aprendizagem e com a maior segurança possível.

Sim! Como falta pouco mais de dois meses antes da data prevista, essa comissão conseguiria dar conta de debater e chegar a conclusões importantes para aquela comunidade a respeito de muitos pontos envolvidos nesse retorno, que não é algo simples, não.

Do ponto de vista do processo do ensino e da aprendizagem: certamente, este ano letivo não poderá ser considerado como os outros anos pela comunidade, por isso processos já estabelecidos precisarão ser rediscutidos e reconstruídos. Por exemplo: quais os critérios serão usados para as avaliações? Seria justo avaliar a aprendizagem de alunos igualmente já que muitos não conseguiram se adaptar ao ensino remoto? Como identificar questões emocionais decorrentes da existência da pandemia e do período de isolamento físico interferindo na aprendizagem, e como trabalhar, na escola, com essas situações? Quais metodologias e práticas de ensino inovadoras poderiam contribuir para uma retomada exitosa dos estudos por parte dos alunos e como avaliar o sucesso do uso delas na aprendizagem?

Do ponto de vista sanitário: quais locais da escola os alunos poderão usar, quais deverão evitar e quais não terão acesso de modo nenhum? Como serão administrados os períodos mais críticos, como horário de entrada, intervalo ou recreio e saída? Como garantir o distanciamento físico necessário exigido entre os alunos? Como tratar atitudes rebeldes ao uso da máscara? Como e quando a higiene das mãos deverá ser incentivada e/ou exigida? Que atitudes tomar quando um aluno chega à escola adoentado – não importa que tipo de doença?

Do ponto de vista da cooperação entre a escola e as famílias: os grupos de mães em aplicativos de mensagens podem ganhar objetivos mais nobres do que o atuais? Quais e como? Como administrar e resolver os conflitos que irão surgir? Como chegar a consensos em assuntos importantes para todos? Como debater sem ânimos exaltados? Como estabelecer comunicação não violenta? Há mães e/ou pais que poderiam colaborar com uma hora ou mais na semana para que todos os assuntos decididos sejam praticados?

É um caminho novo para a maioria das escolas e das famílias que só conhecem a chamada parceria de modo nada parceiro. É, também, uma grande chance social que temos para começar um trabalho respeitoso e justo dentro das escolas envolvendo todos os seus segmentos, difícil de ser testemunhado até então. Que tal provocar a escola que seu filho frequenta – ou as famílias de seus alunos – com esse desafio? 

*Rosely Sayão é psicóloga

Opinião por Rosely Sayão