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Vontade de falar

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Por Redação
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Das dezenas de frases de participantes e entusiastas das manifestações da segunda-feira em 12 capitais brasileiras, citadas pela imprensa para dar uma ideia do espírito dos protestos, provavelmente a mais expressiva tenha sido a da ex-voleibolista Ana Beatriz Moser. "O importante é esse coro, essa vontade de falar. Os governantes têm de ouvir." Em um País onde a última vez em que centenas de milhares de pessoas saíram de casa para se fazer ouvir pelos governantes foi em 1992, com o coro "Fora Collor", não é fácil de explicar a presumível acomodação da juventude, em contraste com o histórico de proliferação de atos públicos de massa no exterior (contra alvos diversos como a globalização, os transgênicos, a invasão do Iraque, o poder de Wall Street, as políticas recessivas na Europa, as tiranias árabes e, agora, o autoritarismo do governo livremente eleito na Turquia).Pode-se argumentar que, desde o Plano Real no governo Itamar Franco, que assumiu no lugar de Collor, o Brasil amealhou mais notícias boas do que más - embora não raras entre essas tenham se tornado péssimas, a exemplo da criminalidade. O ciclo virtuoso de 18 anos - das administrações Fernando Henrique e Lula à primeira metade do mandato da presidente Dilma Rousseff - promoveu o crescimento e generalizados aumentos de renda real, principalmente entre os mais pobres. O consumo explodiu e só não atordoou os grupos engajados nas causas chamadas "pós-materialistas", como a defesa do meio ambiente, a proteção das comunidades indígenas, os direitos dos negros, mulheres e minorias sexuais. É tentador, mas arriscado, estabelecer uma relação direta e exclusiva entre a volta da inflação e os pibinhos, de um lado, e a eclosão do descontentamento, de outro. Mas seria míope negar qualquer nexo entre a economia em baixa e a insatisfação em alta.De fato, foi o aumento das passagens de ônibus em São Paulo, na esteira dos de Porto Alegre e outras cidades, que fez o trânsito parar de vez. Na capital paulista, a brutalidade policial que se seguiu aos atos de vandalismo registrados na primeira passeata, no começo da semana passada, acirrou a indignação, deu nova motivação para a ida às ruas e remeteu a segundo plano (mas sem eliminar) as reclamações contra o preço dos bilhetes. Esse é o dado crucial da onda de protestos que juntou anteontem mais de 230 mil pessoas do Pará ao Rio Grande do Sul - só no Rio foram cerca de 100 mil, com a Avenida Rio Branco tomada por compacta multidão fazendo lembrar as marchas pelas Diretas Já em 1984. Deu uma vontade de falar que não se sabe como, quando ou se será aplacada: contra os padecimentos que o Estado impõe ao povo com os seus serviços de terceira e indiferença de primeira, a começar da saúde e educação públicas; contra os políticos e autoridades em geral que só cuidam dos seus interesses e são tidos como corruptos por definição; contra a selvageria do cotidiano por toda parte; contra a truculência das PMs; contra a lambança dos gastos com a Copa, que pegou de surpresa a cartolagem e seus parceiros no governo federal - e tudo o mais que se queira denunciar. Afinal, os jovens não se sentem representados por nenhuma instituição e desconfiam de todas. Tampouco a imprensa lhes merece crédito. Consideram-se mais bem informados pelos seus pares das redes sociais do que pela mídia. É também na internet que encontram argumentos para as suas críticas, colhem e se prestam solidariedade, cimentando a coesão grupal. Entre a quarta-feira passada e a noite da última segunda, 79 milhões de mensagens sobre as marchas foram trocadas pelos internautas. O senso de autocongratulação - "a juventude acordou" - e a natureza difusa de suas queixas combinam-se para dificultar a discussão de pautas específicas de mudança em eventuais encontros com agentes públicos. Como se diz, faz parte: o protesto precede à proposta. O lado bom das jornadas dos últimos dias, além do caráter em geral pacífico das manifestações, foi a preocupação com o País. "Parem de falar que é pela passagem", comentou um jovem. "É por um Brasil melhor."