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Opinião|Voto distrital com 'recall' já!

Atualização:

O vazamento de documento sigiloso analisando a crise e criticando o governo, incidentalmente seguido da conflagração quase física de vendedores de governabilidade de maior e de menor sucesso dentro da sua "base de sustentação", não traduz qualquer tipo de choque de ideias ou ensaio de mudança de rumo. Como Eugênio Bucci resumiu com perfeição em artigo nesta página quinta-feira, o que se afirma no documento é apenas que "o governo teria errado porque não lançou mão das ferramentas certas nas doses cavalares certas para convencer a cidadania errada de que ele, governo, é que está certo". Ou seja, sobre o projeto de País do PT ser inteiro uma mentira o PT inteiro está de acordo. O que se discute é só a qualidade da mentira que se deve vender, e com que intensidade, para não se perder o projeto de PT a serviço do qual o partido pôs o País. Difícil é imaginar como "melhorar", nesse sentido, o discurso de Dilma Rousseff. Na sequência das maiores manifestações que o País já viu, com as televisões alternando suas palavras com as provas "estarrecedoras" do Ministério Público de que a roubalheira continuou pela mão do preposto de José Dirceu, o único prisioneiro da "Fase 9" libertado pelo ministro Teori Zavascki, do STF, a presidente pontificava impávida que "a corrupção passou a ser combatida pela primeira vez na História deste país graças ao PT"; que este governo, graças ao qual agora temos a garantia de que Dias Toffoli dará aos "petrolões" o que eles merecem, "não interfere no caminho da Justiça"; que as "manifestações" da sexta-feira 13 foram tão autênticas quanto as de domingo 15/3; que este ajuste imposto "pelos erros dos outros" está sendo justissimamente distribuído entre todos os brasileiros pelo governo dos 39 ministérios intactos e sua Brasília que nada produz, mas é campeã nacional de renda; que o partido do "controle da mídia", cujo chefe máximo, quando sai da moita, é para convocar "os exércitos do Stédile" a "dar porrada" em quem for contra, "respeita acima de tudo o direito de dissentir"; que os soldados da "ditadura do proletariado" do passado, que dão cobertura aos nicolás maduros do presente, arriscaram sua vida "para defender a democracia"... É esta a essência desta crise. A mentira, que no limite terá de se impor pela força, envenena de tal forma o ambiente que põe tudo sob suspeição, paralisa a economia e congela até as verdades prementes da urgência de agir e do imperativo de mudar as regras do jogo sem a satisfação das quais não há saída. Considerando que seus efeitos sociais mal começaram a chegar às ruas e temos quatro anos pela frente, é uma situação perigosíssima. Sim, é verdade que as redes sociais tornam mais difícil a manipulação da opinião pública e que vastos segmentos da sociedade aos quais vinha sendo imposta há anos uma sistemática "não existência" por uma mídia enviesada conseguiram, finalmente, furar o cerco, auto-organizar-se e fazer-se ouvir nas ruas. Mas é só isso que as redes sociais proporcionam. Nada garante que a "primavera brasileira" será diferente das outras. Finda a embriaguez dessa "libertação", o País mergulha de volta na aridez do seu isolamento, da sua viciosa autorreferência, da sua indigência de know-how em matéria de tecnologia institucional. Há um pesado passivo a ser removido. Desde a redemocratização nossas escolas e redações, com as exceções que confirmam a regra, têm mantido o País isolado da modernidade e ignorante dos seus remédios e anatematizado tudo o que não seja mais do mesmo no debate político nacional. A sanção social contra quem resiste é de tal ordem que poucos entre os que não incorporaram como seu o "índex" do "politicamente correto" têm coragem de afirmá-lo publicamente. Não é mais do que esse tipo de covardia o nosso "deserto de lideranças". O divórcio entre palavras e fatos e a perda da capacidade de relacionar causa a efeito, essência do pensamento racional, não são exclusividade de Dilma Rousseff, são uma doença nacional. O que sobrou da Petrobrás rapinada está sendo liquidado aos pedaços, mas "privatização", no sentido original de antídoto para isso, segue sendo palavrão. Com a conta do ajuste provocando pesadas baixas num "país real" ainda eivado de miséria, o "país oficial" permanece incólume com seus milhões de funcionários ociosos, suas aposentadorias milionárias, suas mordomias indecentes e seus direitos e foros especiais medievais. Os economistas da oposição e até a imprensa dão de barato que tudo isso é imutável. "Como as despesas de custeio são incomprimíveis os impostos terão de ser aumentados e os investimentos cortados." É só um dado "técnico" da equação, ainda que implique uma sentença de morte da Nação. Corrupção? Ah, sim! Vamos eliminar "a causa" dela do mesmo modo que estamos eliminando "a causa" da criminalidade: proibindo a presença de dinheiro nas campanhas eleitorais alheias, assim como temos proibido a posse de armas de fogo pelas vítimas do crime, e agravando penas que nunca serão aplicadas mantidos os direitos e os foros especiais. E nas TVs jornalistas e "especialistas" meneiam a cabeça, graves, em aprovação. O fato de o Brasil continuar matando a tiros cinco vezes mais do que mata o Estado Islâmico por ano não prejudica em nada esse raciocínio e, portanto, não cabe lembrá-lo aos propositores de tal "solução". Lá fora ganha a corrida quem mais se alivia de pesos mortos e melhor arruma tudo para proibir presidentes et caterva de "fazer" ou "dar" o que quer que seja a quem quer que seja ou impor ao país as suas "boas ideias". Para garantir que assim seja se arma a mão do eleitor com o poder de demitir funcionários e representantes a qualquer momento pelo voto distrital com recall, de modo a ser dele a última palavra em qualquer discussão que possa afetar o seu destino. O resto vem por consequência. Vem aí a "reforma política" que muitos sonham usar até para acabar com a política no Brasil. É hora de deixar de lado as panelas e começar a gritar algo que produza resultados. (Mais sobre o recall em www.vespeiro.com.)FERNÃO LARA MESQUITA É JORNALISTA, ESCREVE EM WWW.VESPEIRO.COM

Opinião por Fernão Lara Mesquita