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Opinião|Zika e o papel da pesquisa científica

Atualização:

O aumento dos casos de dengue e zika e a possível conexão desta com a microcefalia levaram a Organização Mundial da Saúde (OMS) a anunciar a criação de 30 centros de pesquisa pelo mundo. Doenças típicas de países tropicais, onde vive grande parte da população mundial mais pobre, não têm sido objeto de interesse dos grandes laboratórios farmacêuticos internacionais. Por isso os governos dos países mais responsáveis do Hemisfério Sul não podem depender deles para enfrentar episódios como o do Zika vírus.

Um importante centro de pesquisas já existe, criado há mais de dez anos no Brasil: a rede de pesquisadores organizada pelo virologista Paolo Zanotto, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que veio a ser denominada Rede Zika. A rede é composta por mais de 25 laboratórios distribuídos no Estado e envolve cerca de 300 pesquisadores.

Desde 1993, a Fapesp tem apoiado ativamente os pesquisadores do Estado de São Paulo nesses temas. Ter o conhecimento científico é fundamental para entender que a doença existe, como funciona, e para definir que as autoridades públicas da saúde têm elementos básicos para agir.

É claro que o conhecimento científico não é o suficiente para evitar uma epidemia, que só pode ser evitada pela eliminação do mosquito. Esta é a primeira prioridade e exige o uso das medidas conhecidas, essencialmente a eliminação de criadouros do mosquito, postas em prática pelas autoridades. Emílio Ribas, Adolpho Lutz, e Oswaldo Cruz idealizaram e lideraram iniciativa similar no início do século 20, eliminando epidemias de febre amarela.

A eliminação do mosquito é difícil e é desejável uma vacina para prevenir a doença. Pesquisas do Instituto Butantan, iniciadas com financiamento da Fapesp desde 2008, chegaram à vacina, que está em fase avançada de testes para garantir sua segurança antes de aplicá-la na população. As perspectivas para a vacina em estudo no Butantan são até de maior eficácia do que a vacina comercial recentemente anunciada. Pesquisadores da USP acabam de criar um teste diagnóstico rápido que identifica infecção por Zika vírus especificamente, por meio dos anticorpos gerados, sem confundi-la com dengue ou febre amarela. Tal teste é essencial para esclarecer as verdadeiras dimensões da epidemia.

O caso da dengue e da zika ajuda a entender por que é necessário apoiar a pesquisa científica. Num país com grandes carências como o Brasil, nem sempre fica claro para o contribuinte e seus representantes que vale a pena investir em pesquisa, mesmo que nem sempre ligada obviamente a resultados práticos. O imediatismo muitas vezes nos pode impedir de criar as ferramentas para um futuro melhor.

A pesquisa científica movida pela curiosidade e pelo desejo de entender o que nos cerca constitui a base da qual decorrem as suas aplicações. Louis Pasteur explicava que não há ciência aplicada – há, sim, aplicações da ciência.

Os cientistas que no início do século 20 descobriram a radioatividade, por exemplo, não tinham a menor ideia de que algumas décadas mais tarde suas descobertas seriam usadas para fazer bombas atômicas ou reatores nucleares para produzir eletricidade. Pode ser difícil prever as consequências práticas do conhecimento.

A capacidade científica instalada em São Paulo é a base sobre a qual se pode construir hoje a mobilização necessária para enfrentar os desafios trazidos pelo Zika vírus, a dengue e o Aedes aegypti. O estoque de conhecimento criado nas últimas décadas permite que tenhamos a Rede Zika atuando para descobrir, por exemplo, vacinas, técnicas de diagnóstico sorológico rápido, controle do mosquito e redução de sua população, estudos epidemiológicos sobre o efeito da infecção por Zika em malformações fetais, ou entender se e como o vírus afeta o sistema nervoso central e periférico.

A capacidade científica acadêmica criou ainda uma novidade recente no ambiente de pesquisa em São Paulo. Ao lado do vigoroso sistema acadêmico de pesquisa, veio se estabelecendo nos últimos 15 anos um sistema de pequenas empresas de base tecnológica com substancial capacidade em ciência e engenharia. A Fapesp já financiou mais de 1.500 projetos de pesquisa em empresas desse tipo. Agora, por meio de um edital, oferecendo recursos da Fapesp em conjunto com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), busca-se mobilizar essas empresas para atacarem os desafios do controle do Aedes e do combate aos vírus a ele associados. Trata-se de uma iniciativa que pode vir a criar desenvolvimento econômico ao mesmo tempo que mobiliza importantes atores para tratarem de um grave problema de saúde pública.

Países fortemente industrializados investem cerca de 3% do seu produto interno bruto (PIB) em pesquisa e desenvolvimento, cobrindo desde as áreas mais abstratas e distantes da realidade imediata até as mais próximas, como saúde, energia e água. Por isso, quando surge um problema novo, conseguem reunir em curto prazo cientistas capazes de entender a origem dos problemas e oferecer propostas para resolvê-los.

O Estado de São Paulo tem aumentado a sua capacidade científica e tecnológica, num esforço de várias décadas. Daí o sucesso do setor agrícola originado da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da USP, e do Instituto Agronômico de Campinas, para dar apenas dois exemplos. Na saúde, desde o trabalho pioneiro de Emílio Ribas, Adolfo Lutz e Vital Brazil, muito foi feito, o que permite agora que se mobilize um bom número de pesquisadores para enfrentar uma epidemia como a da dengue e da zika.

*José Goldemberg é professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), é presidente da FAPESP, e diretor científico da FAPESP. 

*Carlos Henrique de Brito Cruz é professor do Instituto de Física e ex-reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é membro da Academia Brasileira de Ciências  

Opinião por José Goldemberg
Carlos Henrique de Brito Cruz