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A ajuda das contas externas

Com as contas em ordem, governo pode empenhar-se na reforma da Previdência

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Por Notas & Informações
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Reservas de US$ 377 bilhões e contas externas em ordem são hoje uma bênção muito especial. O governo pode empenhar-se na arrumação de suas contas, começando pela reforma da Previdência, sem se preocupar com pressões cambiais e sem assustar credores de fora. Outros governos enfrentaram desafios muito maiores, forçados a cuidar ao mesmo tempo das finanças públicas e da escassez de dólares, quase sempre num cenário de inflação alta. O conserto geral envolveu com frequência um forte aperto na economia, com retração dos negócios e desemprego. O Executivo poderá desta vez promover o ajuste das contas públicas e negociar a reforma das aposentadorias num ambiente de crescimento - em condições econômicas, fiscais e políticas muito mais favoráveis que as experimentadas em vários outros programas de estabilização.

O governo precisará, no entanto, aproveitar a oportunidade sem desperdiçar tempo. Terá de ser eficiente no encaminhamento e na negociação de seus projetos. Neste momento, o bom andamento da reforma previdenciária depende muito mais do empenho dos presidentes da Câmara e do Senado que da competência política demonstrada até aqui pelo Executivo. Depois de ter levado o projeto ao Congresso, o presidente Jair Bolsonaro tem exibido pouco empenho na mobilização de apoio às suas propostas. O êxito de seu governo depende, no entanto, dos avanços conseguidos nesta primeira fase de mudanças estruturais.

Se o Executivo falhar ou se atrasar na condução dos ajustes e reformas, poderá perder as condições benignas de hoje, formadas por inflação contida, juros básicos em nível excepcionalmente baixo e contas externas em bom estado.

A medida mais ampla do intercâmbio com o exterior, a conta de transações correntes, fechou janeiro com um déficit mensal de US$ 6,5 bilhões, pouco superior ao de um ano antes (US$ 6,3 bilhões). A maior parte do buraco foi coberta com o ingresso líquido de investimento direto no valor de US$ 5,9 bilhões. Os números acumulados em 12 meses tornam mais claras as condições favoráveis. Nesse período, investimentos diretos de US$ 88,3 bilhões compensaram com enorme sobra o saldo negativo de US$ 14,8 bilhões. Com um déficit equivalente a 0,78% do Produto Interno Bruto (PIB), o Brasil acumulou investimentos líquidos correspondentes a 4,70% da produção anual interna de bens e serviços.

Nos 12 meses terminados em janeiro do ano passado, o déficit havia sido de 0,37% e o investimento havia equivalido a 3,24% do PIB. Passado um ano, o financiamento do buraco das transações correntes continua sendo realizado sem dificuldade. O investimento direto é a melhor forma de absorção de poupança estrangeira. Essa é uma aplicação pouco volátil e, sendo destinada à atividade empresarial, contribui diretamente para o crescimento econômico do País.

Parte essencial desse quadro positivo tem sido a dimensão moderada e facilmente administrável do déficit em transações correntes. Isso se deve principalmente ao bom superávit acumulado, nos últimos anos, no comércio de bens. O saldo positivo dessa conta chegou a US$ 53,6 bilhões em 2018 e a US$ 1,6 bilhão em janeiro. As contas de serviços e de renda primária, também incluídas nas transações correntes, são tradicionalmente deficitárias. Seu resultado negativo tem sido compensado em proporção significativa pelo excedente da conta comercial.

Se as condições externas se tornarem menos favoráveis, como sugerem vários analistas, será mais difícil manter em bom estado as transações correntes. As dificuldades serão mais graves se o governo falhar ou demorar na realização dos ajustes e reformas. Nesse caso, os investidores serão menos estimulados a aplicar seu dinheiro na economia brasileira, até porque as pressões inflacionárias e a insegurança poderão crescer.

A equipe econômica certamente conhece esse conjunto de riscos. Mas o presidente também precisa reconhecer os perigos e trabalhar pela aprovação urgente das propostas mais importantes desta fase.