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A amplitude dos crimes ambientais

Estudo revela que os crimes ambientais não raro estão vinculados a outros tipos de crime, formando um ‘ecossistema de ilicitudes’

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Por Notas&Informações
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Os crimes ambientais, como o desmatamento ilegal, o tráfico de animais silvestres e o garimpo clandestino, por exemplo, são comumente vistos como crimes de “menor potencial ofensivo” quando comparados aos delitos em que há emprego de violência. Essa concepção dos crimes ambientais, que se espraia por segmentos do governo e da sociedade, é equivocada e extremamente prejudicial aos interesses do País.

Em primeiro lugar, os crimes ambientais são graves por si sós. Em segundo lugar, incluir esses delitos em uma espécie de ranking induz certa leniência do Estado em combatê-los com a mesma diligência que seria empregada, por exemplo, na persecução a outros tipos de crime, como os chamados crimes de sangue. Ademais, tratar os crimes ambientais como crimes “menos graves” reflete uma visão bastante turva sobre a realidade dos fatos. Em muitos casos, os crimes contra o meio ambiente estão diretamente ligados à grilagem de terras públicas, delitos financeiros e tributários, tráfico de drogas e homicídios.

Uma reportagem do Estadão mostrou que 30% das 369 operações da PF deflagradas nos últimos cinco anos referiam-se a crimes ambientais que tinham relação com algum tipo de fraude (documental, por exemplo); em 21% foi apontada a ligação com o crime de corrupção; e em 20% os crimes ambientais envolviam também lavagem de dinheiro. Mais estarrecedora foi a constatação de que, em cerca de 50% dos casos que motivaram as operações policiais para coibir crimes ambientais, havia atuação de organizações criminosas ligadas à prática de crimes muito violentos, inclusive quadrilhas com presença transcontinental.

Os números, que integram um estudo do Instituto Igarapé, têm dois grandes méritos. De pronto, confirmam com evidências o que antes era apenas uma percepção. Há crimes ambientais que demandam tamanha mobilização de recursos humanos e financeiros que só por ingenuidade ou má-fé haveriam de ser tratados como práticas isoladas de um punhado de desvalidos, e não como elos de uma cadeia de práticas delitivas engendrada por forças muito poderosas.

Essa enorme teia de crimes conexos configura o que a diretora de pesquisa do Instituto Igarapé, Melina Risso, chamou de “ecossistema de ilicitudes”, com implicações na segurança pública que vão muito além das fronteiras da Amazônia. “A ausência de uma resposta contundente por parte do poder público fomenta a entrada de novos grupos criminosos (nessa ciranda de ilicitudes), provoca danos ambientais, sociais e econômicos seriíssimos e atenta contra a integridade da floresta e das comunidades locais, sobretudo populações indígenas, quilombolas e tradicionais”, disse Melina Risso ao Estadão.

Apontar para a ausência de uma resposta “contundente” por parte do poder público a essa desabrida afronta às leis e à Constituição é outro mérito do estudo. A gravidade dos crimes cometidos na Região Amazônica e a sofisticação da rede montada para sua perpetração demandam, como contrapartida, a mobilização de toda a força do Estado para dar-lhes o devido combate. É exatamente o oposto do que tem feito o governo do presidente Jair Bolsonaro nos últimos três anos. A complexidade da teia criminosa na Região Amazônica e o aumento da violência ligada aos crimes ambientais representam “enormes desafios de governança, coordenação estratégica e inteligência, já que cadeias ilícitas de ouro e madeira ultrapassam fronteiras”, enfatizam os autores do estudo.

Ao que tudo indica, não será durante o mandato de Bolsonaro que o aparato do Estado será devidamente mobilizado para combater os crimes ambientais, fazer o Brasil superar a vergonha e voltar a ocupar um lugar de destaque nessa seara. O presidente é conhecido por sua repulsa à proteção do meio ambiente e aos interesses das comunidades indígenas e pela defesa quase obsessiva do garimpo ilegal e outros meios predatórios de exploração econômica de recursos naturais.

A emersão de um Brasil mais seguro e civilizado a partir de 2023 depende fundamentalmente de uma mudança radical de mentalidade no Palácio do Planalto.