Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A Anvisa muda de rumo

Ainda que tardiamente, agência fez bem ao flexibilizar processo de aprovação de vacinas.

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
Atualização:
2 min de leitura

É consenso entre a chamada comunidade científica que só uma rápida e abrangente campanha de vacinação será capaz de interromper a circulação do novo coronavírus, salvar vidas e reativar a economia. O País, de longa tradição de qualidade em campanhas do tipo, ainda dá os primeiros passos nesta direção. Para uma sociedade acostumada a ver campanhas que vacinam 10 milhões de pessoas em um fim de semana, não deixa de ser angustiante o fato de que hoje apenas 1,3% da população esteja imunizado contra a covid-19. E isto decorre, exclusivamente, da falta de vacinas na quantidade que o Brasil precisa.

Neste sentido, já passava da hora de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) captar o sentido de urgência do momento e flexibilizar o processo de autorização de uso emergencial de vacinas. A agência decidiu retirar a exigência de que estudos clínicos de fase 3 fossem realizados no Brasil para autorizar a aplicação emergencial de uma vacina. Era um requisito que não fazia sentido, haja vista que as vacinas foram testadas em outros países. Ou seja, a Anvisa terá à disposição todos os dados para proceder a análise de eficácia e segurança dos imunizantes.

Como bem disse o gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa, Gustavo Mendes, os estudos de fase 3 realizados no exterior precisam ser conduzidos de acordo com diretrizes internacionais. “Isso significa que esses estudos são confiáveis”, disse Mendes, “que podemos olhar e obter respostas que precisamos para assegurar a eficácia e a segurança de uma vacina.”

A decisão da Anvisa abre espaço para que outras vacinas além da Coronavac, parceria entre a Sinovac e o Instituto Butantan, e a Covishield, da Universidade de Oxford e da AstraZeneca, em parceria com a Fiocruz, sejam aplicadas no País, principalmente a russa Sputnik V e a indiana Covaxin.

A Sputnik V, desenvolvida pelo Instituto Gamaleya, está mais próxima de ser aprovada para uso no Brasil. Isto porque os estudos de fase 3 já foram realizados no exterior. No dia 2 passado, a revista The Lancet publicou artigo com os resultados preliminares desses estudos, indicando que a eficácia geral da Sputnik V é de 91,6%, resultado considerado espetacular para uma vacina com a tecnologia da russa, que usa partículas de adenovírus.

Já a Covaxin ainda não foi estudada em fase 3. O laboratório indiano Bharat Biotech firmou parceria com o Instituto Israelita Albert Einstein de Ensino e Pesquisa (IIAEEP) para realizar este teste no Brasil.

Em nota, o Ministério da Saúde disse ter a intenção de comprar 30 milhões de doses de cada uma dessas vacinas, o que seria um grande reforço para o portfólio de imunizantes atualmente disponíveis. Com uma população de 212 milhões de habitantes, o Brasil não pode depender apenas de um ou dois fabricantes, principalmente levando em consideração as dimensões do País e os desafios de transporte e acondicionamento que são impostos por vacinas de tecnologias diferentes.

Em que pesem as pressões políticas que ora recaem sobre a Anvisa, o que importa para os brasileiros, ao fim e ao cabo, é receber a vacina e estar protegido contra essa terrível doença que já matou quase 230 mil pessoas no País. Um dia de espera por uma vacina custa vidas. Isto é intolerável.

Por essa razão, a decisão da Anvisa de flexibilizar seu processo de aprovação de vacinas foi muito bem recebida por profissionais da área da saúde. “Não estamos vivendo uma situação normal. Nós estamos vendo um grande número de mortes todos os dias, os sistemas de saúde estão entrando em colapso. Não podemos nos dar ao luxo de cumprir todos os requisitos e toda a burocracia (exigida em situações normais)”, disse ao Estado a diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Mônica Levi.

Ainda que tarde, a Anvisa fez sua parte. Cabe ao Ministério da Saúde firmar acordos de compra com os laboratórios o mais rápido possível e trazer para o Brasil a quantidade de vacinas necessária para acabar com este flagelo.