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A árdua luta pela vida

À falta de insumos vitais, médicos duelam contra a morte sem paridade de armas

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Por Notas&Informações
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O crescimento vertiginoso do número de casos de covid-19 em quase todo o País – apenas Amazonas e Roraima registram queda na média móvel diária – impõe duplo grau de sofrimento aos enfermos e a seus familiares. O primeiro é o temor de não conseguir socorro num hospital. Como se isto não bastasse, uma vez admitido, o paciente não tem garantia de que receberá o tratamento adequado. Falta de tudo em muitos hospitais, desde equipamentos de proteção individual (EPIs) até cilindros de oxigênio, medicamentos para intubação e, principalmente, recursos humanos.

A disseminação descontrolada do vírus – sobretudo a cepa de Manaus (AM), mais contagiosa – tem revelado a faina para salvar vidas que é o dia a dia dos profissionais de saúde em sua luta contra o patógeno. As equipes estão física e emocionalmente esgotadas. E, privadas de insumos vitais mínimos para exercer seu trabalho e prestar um tratamento digno aos doentes, veem-se digladiando com a morte num duelo sem paridade de armas.

Em muitos municípios Brasil afora, ricos ou pobres, já não há mais leitos de enfermaria ou de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para receber não apenas os acometidos por covid-19, mas por qualquer outra enfermidade que demande atendimento hospitalar. Os pacientes não são sequer admitidos à entrada, tendo de se haver com a própria sorte. Nessas cidades, médicos são obrigados pelas circunstâncias dramáticas a tomar uma das mais difíceis decisões da profissão: escolher quem vive e quem morre por falta de atendimento. Em outros municípios, os sistemas público e privado de saúde operam muito próximos do limite da capacidade. O colapso é iminente.

É inaceitável que pacientes morram na fila de espera por atendimento, sem ao menos terem uma chance na árdua luta por suas vidas. Já passou da hora de o Ministério da Saúde coordenar com as Secretarias da Saúde dos Estados e municípios e com a indústria nacional os esforços necessários para organizar minimamente o enfrentamento da pandemia. A perversa combinação de incompetência e veleidades políticas está matando brasileiros. Até quando? Que número de mortos por dia será o limite “tolerável” para que medidas para dar fim a este horror sejam tomadas?

A precariedade dos estoques de cilindros de oxigênio e de medicamentos usados para intubar os pacientes, como sedativos, anestésicos e bloqueadores musculares, é particularmente alarmante. A falta de uns e de outros significa a submissão dos doentes à extrema agonia. No dia 17 passado, o Ministério da Saúde emitiu à indústria farmacêutica uma ordem de entrega do estoque desses fármacos. É um total de 665,5 mil comprimidos, o que supre a necessidade do Sistema Único de Saúde (SUS) por apenas 15 dias.

A calamidade na saúde impõe outro enorme desafio para as equipes de terapia intensiva. A intubação de um paciente é um procedimento altamente especializado, de elevado grau de risco, tanto para médicos, dado o risco de contaminação pelo vírus, como, e principalmente, para os doentes. Nem todos os profissionais de saúde que atuam nas UTIs estão aptos a realizar a manobra. Fazem-na na ânsia por salvar vidas.

Em vez de tomar decisões aos sobressaltos, melhor faria o Ministério da Saúde se planejasse a compra desses medicamentos em constante contato com os entes federativos. “Não há problema de produção. A indústria só precisa receber a demanda de forma clara e organizada”, disse ao Estado Reginaldo Arcuri, presidente do Grupo FarmaBrasil. 

Mas é difícil esperar que a pasta atue de forma “clara e organizada” enquanto houver, na prática, dois ministros da Saúde, um que ainda não saiu, outro que ainda não entrou. Sem entendimento, não é dada à sociedade uma direção clara das ações do governo daqui para a frente.

Como se vê, passado um ano do início deste flagelo, o País paga o alto preço da desídia e do negacionismo.