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A Argentina de sempre

Inflação mais alta em 30 anos mostra um país mergulhado em velhos problemas e sem capacidade de enfrentar os novos

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Por Notas&Informações
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Com inflação de 60,7% em 12 meses até maio, a mais alta em 30 anos, a Argentina mostra uma rara e pouco invejável característica. Trata-se de sua capacidade de conseguir não apenas persistir nos erros em decisões políticas e econômicas cruciais, mas de aperfeiçoá-los. De uma das mais importantes economias do mundo até o fim da 2.ª Guerra Mundial, tornou-se um exemplo das mazelas que políticas públicas equivocadas, mas ainda assim com apoio popular, podem provocar. Estima-se, por exemplo, que de 2011 a 2019 a economia argentina tenha encolhido mais de 10%. Os anos da pandemia aprofundaram a longa crise em que o país está mergulhado. Até o ano passado, a perda pode ter chegado a 16%.

A mais recente projeção de instituições internacionais, de que o Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina pode crescer 3,6% neste ano, talvez consiga instilar algum ânimo. Mas os argentinos ainda terão de esperar muito tempo para recuperar a qualidade de vida que tinham no início da década passada. Já a vida de que desfrutava o país nas primeiras décadas do século passado, uma das melhores do mundo, hoje é apenas um registro histórico surpreendente para os mais jovens.

O dia a dia do país é marcado por insegurança financeira da população, que procura no dólar um refúgio contra a alta acelerada dos preços na moeda local (o peso), incertezas sobre o amanhã, dúvidas sobre a capacidade do país de honrar os compromissos financeiros externos – várias vezes renegociados e várias vezes não cumpridos – e, sobretudo, incapacidade do governo de dar respostas adequadas aos graves problemas que precisa enfrentar.

O governo, hoje chefiado por Alberto Fernández – em crise com a vice-presidente Cristina Kirchner, com quem compartilha a origem peronista –, ao contrário de articular uma solução, pode ser, em si mesmo, um dos problemas mais imediatos que afligem os argentinos.

Sem especificar ou detalhar seus componentes, o ministro da Economia, Martín Guzmán, atribuiu a inflação a um fenômeno “multicasual”. Na essência dessa multiplicidade de fatores está a política fiscal, caracterizada por forte expansão dos gastos governamentais. A contrapartida tem sido a excessiva emissão de moeda pelo Banco Central.

A isso, reconheça-se, se juntam os problemas internacionais, como a guerra na Ucrânia, que fez subir exponencialmente os preços dos combustíveis e dos alimentos. Mas a inflação decorrente dos problemas causados pela guerra – e também pela pandemia, que provocou rupturas na cadeia mundial de suprimentos – tem sido muito menor nos demais países.

Na tentativa de amenizar o problema da inflação, o governo até observou que a alta mensal dos preços está se reduzindo. É verdade. Em março, a inflação medida pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Censo alcançou 6,7% e, em abril, baixou para 6,0%. Em maio, caiu mais um pouco. Mas o resultado acumulado em 12 meses está subindo. Estava em 50,5% em janeiro, subiu nos meses seguintes, até ultrapassar 60% na medição mais recente. Há projeções de 75% para todo o ano.