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A armadilha das commodities

Relatório da Unctad enfatiza ‘vontade política’ como primeira condição para superá-la

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Por Notas&Informações
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A dependência das commodities está associada a problemas como crescimento lento, estrutura econômica não diversificada, baixo desenvolvimento humano, volatilidade de renda, instabilidade macroeconômica e política, fluxos financeiros ilícitos, governança política e econômica pobre, baixo desenvolvimento social e alta exposição a choques como as mudanças climáticas ou pandemias.

Convencionalmente, diz-se que um país depende de commodities – bens primários, como metais, minerais ou produtos agrícolas – quando deriva delas ao menos 60% das suas receitas de exportação. Dois terços dos países em desenvolvimento (64%) são dependentes de commodities. Entre os países desenvolvidos, são apenas 13%.

Projeções econométricas mostram que, para países em desenvolvimento dependentes de commodities, é extremamente difícil sair deste estado. Não surpreende que um relatório recente da Conferência sobre Comércio e Desenvolvimento das Nações Unidas (Unctad) sobre a cadeia de commodities tenha sido intitulado Escapando da Armadilha da Dependência das Commodities através da Tecnologia e Inovação.

Segundo a Unctad, para desarmar essa armadilha os países em desenvolvimento precisam instaurar infraestruturas físicas e institucionais capazes de fomentar um ecossistema tecnológico que leve à produção de bens mais diversificados e sofisticados.

Fortalecer facilitadores da produtividade, como educação, infraestrutura e tecnologia, é precondição. “A existência de infraestrutura ‘dura’, como eletricidade confiável e conexão de internet, e de infraestrutura ‘suave’, como regras e regulamentos governando a inovação e a adoção de tecnologia, criação e fortalecimento de instituições de pesquisa e desenvolvimento, e estabilidade macroeconômica são necessárias para uma bem-sucedida transformação econômica baseada na tecnologia.”

Além destes facilitadores, ditos “horizontais”, a Unctad aponta os “verticais”. No caso de países dependentes de commodities “duras” (minerais e energéticas), os principais facilitadores são a capacidade fiscal e os investimentos nacionais e estrangeiros, enquanto para os dependentes de commodities “suaves” (agropecuárias) seria o acesso ao capital produtivo e às informações sobre inovações e tecnologia.

Omã, por exemplo, expandiu sua produção de combustíveis refinados, como gasolina e querosene, e diversificou petroquímicos, como álcool, fertilizantes e plásticos. Em quatro décadas, as políticas de diversificação e apoio à tecnologia e capital humano da Costa Rica fizeram com que suas principais exportações passassem da banana e café para microcircuitos e componentes de máquinas. A política industrial que resultou nos “milagres asiáticos” (Taiwan, Cingapura, Coreia, etc.) foi baseada em três pilares: atuação pública para criar novas capacidades em indústrias sofisticadas; promoção das exportações; e subsídios acompanhados de regras rigorosas de accountability e condicionados a uma forte competição nos mercados doméstico e internacional.

No caso do Brasil, todos esses exemplos são sugestivos. A participação das commodities (“duras” e “suaves”) na estrutura produtiva nacional tem crescido, enquanto a da indústria tem decrescido. Mas o País tem boas condições para revitalizar a sua indústria, como uma grande capacidade instalada e um amplo mercado interno, que o capacitam a atrair investimentos estrangeiros diretos e transferências de tecnologia. Comparado à maioria dos países em desenvolvimento, o Brasil tem uma economia mais diversificada e um nível elevado de desenvolvimento tecnológico.

A dependência das commodities é uma armadilha, não um destino. A Unctad enfatiza que a primeira e mais importante condição para superá-la “é uma forte vontade política e uma visão de desenvolvimento de longo prazo, junto a uma estratégia de implementação ambiciosa, mas razoável”. Na atual conjuntura, há um vácuo nesse sentido. É fundamental que em 2022 o eleitorado se prepare para cobrar dos candidatos políticas de estímulo às capacidades industriais, à inovação e à difusão de tecnologias.