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A asfixia dos hospitais filantrópicos

Governantes querem capitalizar o prestígio do SUS nas eleições, mas descapitalizam os hospitais parceiros

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Por Notas & Informações
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O hospital paulista A.C. Camargo, referência no tratamento de câncer, encerrou a parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS) em razão da insuficiência dos repasses públicos. É mais um tijolo a se despedaçar em um edifício que está colapsando sob a incúria de Brasília.

O SUS é fundamentalmente um serviço público prestado por entes privados. A rede hospitalar estatal é insuficiente, ineficiente e cara. As Santas Casas e hospitais filantrópicos respondem por 50% dos atendimentos do SUS. Nos casos de alta complexidade, o porcentual sobe para 70%. Em mais de 800 municípios, essas entidades beneficentes são o único serviço de saúde.

Em tese, dada a missão desses hospitais de cuidar dos desfavorecidos, a parceria com o poder público é uma relação de complementariedade perfeita: os hospitais prestam serviço à população, recebendo ajuda financeira do Estado. No entanto, na prática, as administrações públicas, sobretudo o governo federal, capitalizam o prestígio do SUS enquanto descapitalizam seus prestadores a ponto de asfixia.

Desde o Plano Real, em 1994, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor acumula reajuste de 636% e o salário mínimo, de 1.597%. Já a tabela do SUS foi reajustada em 93% no período. Com abnegação e eficiência, os hospitais filantrópicos cobrem parte desse déficit, prestando, por exemplo, serviços a um custo oito vezes menor que os hospitais públicos federais. Ainda assim, a cada R$ 100 gastos, só R$ 60 são cobertos pelo Estado. O déficit anual dos hospitais filantrópicos é da ordem de R$ 10,9 bilhões; as dívidas, de R$ 23 bilhões – e subindo. Nos últimos anos, mais de 300 hospitais filantrópicos fecharam as portas.

Repasses estaduais, melhorias na gestão ou créditos a juros menos escorchantes têm sido paliativos incapazes de conter o sangramento a que estes hospitais estão submetidos pela defasagem da tabela.

Em mais uma cortesia com chapéu alheio, o Congresso elevou o piso salarial da enfermagem. Por óbvio, ninguém, a começar pelos hospitais filantrópicos, é contra a boa remuneração dos profissionais de saúde. Mas o impacto é estimado em R$ 6,3 bilhões e nenhuma fonte de custeio foi indicada. Demissões e reduções das ofertas mostram-se inevitáveis.

Já antes da pandemia, 7 em 10 brasileiros dependiam do SUS para cuidados médicos. Com as sequelas econômicas da crise, a demanda por procedimentos eletivos represados e o envelhecimento da população, a pressão só aumenta. Mas o financiamento da saúde filantrópica só encolhe. Enquanto isso, governo federal e cúpula do Congresso operam um dos mais escandalosos e disfuncionais esquemas envolvendo o dinheiro público, o orçamento secreto. Se os hospitais filantrópicos, especialmente as Santas Casas de Misericórdia, não forem resgatados da situação escorchante a que são submetidos pelo descaso de Brasília, em breve boa parte dos 150 milhões de brasileiros atendidos pelo SUS não poderá contar sequer com a misericórdia dessas instituições que vêm fazendo, há séculos, tanto pela população.