Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A boiada dos TRFs

Após a criação de TRF específico para MG, parlamentares querem o mesmo em seus Estados

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

Menos de três semanas após a aprovação, pelo Senado, do polêmico projeto que autoriza a criação do Tribunal Regional Federal (TRF) da 6.ª Região, com jurisdição exclusiva no Estado de Minas Gerais, as bancadas dos Estados da Bahia, do Amazonas e do Paraná também querem o mesmo privilégio. 

A criação de um novo TRF com jurisdição específica numa única unidade da Federação e a proposta de criação de outros três com a mesma característica carecem de fundamentação técnica e são desnecessárias, em matéria de volume de trabalho. Além disso, não faz sentido aumentar as despesas de custeio do Poder Judiciário em plena pandemia. Por fim, a iniciativa das bancadas estaduais vai na linha oposta à da política da Justiça Federal, que é a de ter poucos tribunais de segunda instância e de fazer com que eles tenham uma atuação interestadual. Isso ajuda na uniformização da jurisprudência da instituição e aumenta a segurança do direito no País. É justamente por esse motivo que a Justiça Federal mineira estava até agora vinculada ao TRF da 1.ª Região, com sede em Brasília. 

A importância da política da Justiça Federal ganhou destaque quando a proposta de criação do TRF da 6.ª Região foi originariamente apresentada ao Congresso, há 21 anos. Na época, a Associação Nacional dos Procuradores Federais (ANPF) alegou que a iniciativa era inconstitucional. O então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, não apenas endossou essa crítica, como também concedeu liminar pedida pela ANPF, suspendendo a tramitação do projeto. 

Por seu lado, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicou um estudo considerando irrealistas os valores previstos para o custeio de um novo TRF e afirmando que eles exigiriam um aumento significativo no orçamento da Justiça Federal, num período de crise fiscal. Já os especialistas em direito processual lembraram que, como a Emenda Constitucional (EC) 45/04 criou medidas para encerrar os conflitos de massa ainda na primeira instância, a carga de trabalho dos tribunais de segunda instância tende a se reduzir com o tempo, o que torna desnecessária a criação de mais TRFs. E entidades de juristas disseram que a criação de um novo tribunal anula os avanços propiciados pela EC 45/04. Essa emenda promoveu a reforma do Judiciário que, apesar de consumir 2% do PIB, cerca de quatro vezes mais do que a média dos países da OCDE, sempre teve um desempenho medíocre. 

O que está motivando as bancadas baiana, amazonense e paranaense no Congresso a propor a ampliação da rede de TRFs, contudo, não são argumentos técnicos nem jurídicos. O interesse é apenas político. Para cada novo tribunal haverá a necessidade da construção de um majestoso “palácio da Justiça”, da contratação de um corpo de servidores administrativos e da aquisição de uma frota de veículos para servir a cada um dos desembargadores. Além disso, a criação de novos TRFs abre caminho para que parlamentares interfiram politicamente na escolha dos juízes de Varas Federais que serão promovidos a desembargador.

Por isso, as justificativas que essas bancadas apresentam para a expansão da rede de TRFs não passam de retórica vazia. A bancada mineira, por exemplo, afirmou que a criação do TRF da 6.ª Região era “essencial” para Minas Gerais, pois o Estado responderia por 35% dos processos que tramitam no TRF da 1.ª Região. Já a bancada federal amazonense defende a criação de um TRF com sede em Manaus sob a justificativa de que, como o Amazonas conta “com a maior floresta do planeta”, é preciso uma corte sediada no Estado para dar conta de conflitos envolvendo questões ambientais. No caso do Paraná, a alegação é de que a criação de um TRF sediado em Curitiba é uma “antiga reivindicação da seccional da OAB”. 

A iniciativa das bancadas federais da Bahia, do Amazonas e do Paraná, tentando seguir a trilha que foi aberta pela bancada federal mineira, o que implica gastos desnecessários, é mais uma preocupante demonstração de como políticos e magistrados estão desconectados de nossa realidade social e econômica.