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A ciência na segurança pública

Agências de fomento e universidades aliam-se para aprimorar políticas de segurança pública

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Por Notas & Informações
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Com 28 mortos, a tragédia do Jacarezinho poderia ter sido evitada se, em vez de se limitar à repressão, a Polícia Civil do Rio de Janeiro trabalhasse de modo mais eficiente nos setores de informação e inteligência. Essa foi a opinião unânime dos especialistas em segurança pública na ocasião. 

Para tentar pôr fim a tragédias como essa, um grupo de instituições se uniu para trazer para essa área os mais modernos recursos da ciência de dados. O objetivo é criar mecanismos mais eficientes de avaliação de políticas públicas, desenvolver estratégias de prevenção de crimes e compreender como a violência em cada setor social e em cada bairro de uma cidade acaba impactando toda a sociedade. A ideia é usar a matemática para analisar informações que permitam soluções para problemas antigos e até hoje não resolvidos.

A iniciativa foi anunciada em janeiro deste ano e se tornou mais conhecida depois da tragédia do Jacarezinho, notabilizada não só pelo número de mortos, mas, também, por causa da infeliz declaração de um dos responsáveis pela operação da Polícia Civil. Segundo ele, nas favelas do Rio de Janeiro os serviços de inteligência e informação não seriam eficazes. As duas instituições que assumiram a responsabilidade de financiar essa experiência são o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). As instituições que assumiram a responsabilidade de promover a experiência, por meio de seus pesquisadores, são o Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) e a Fundação Getulio Vargas (FGV), por meio do Departamento de Tecnologia e Ciências de Dados da Escola de Administração de Empresas em São Paulo. O projeto também terá a colaboração da Escola de Matemática Aplicada da FGV e a participação da área de projetos estratégicos da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo. Contará, ainda, com um Conselho Consultivo Internacional, integrado por pesquisadores de instituições mundialmente conhecidas por suas atividades de inovação em segurança pública. 

Juntas, essas instituições criaram o Centro de Ciência Aplicada à Segurança Pública (CCAS), que terá a função de definir a estrutura de um sistema de pesquisas e conhecimento que permita o uso da inteligência artificial nas decisões das diferentes instâncias governamentais em matéria de segurança pública. Segundo os idealizadores dessa iniciativa, as polícias costumam deslocar contingentes para as regiões mais problemáticas, obtendo resultados imediatos. Contudo, não têm efetivos suficientes para cobrir toda uma cidade, o que leva o crime organizado a se deslocar espacialmente. Assim, por serem pensadas para o curto prazo, as decisões das polícias não têm maior rigor científico, dizem eles. Também lembram que, apesar de os órgãos de segurança estarem aumentando a instalação de câmeras nas cidades, eles ainda não sabem interpretar em profundidade as imagens registradas. Modelos computacionais e estatísticos ajudam a prever de modo mais eficiente crimes como roubos de carga e de caixas eletrônicos, dizem eles. 

Para ganhar tempo, inicialmente o CCAS priorizará as bases de dados do governo paulista, que tem o maior banco de informações sobre segurança pública em toda a Federação. Alguns Estados já dispõem de bases de dados consistentes, mas que ainda têm de ser integradas nacionalmente. Na fase seguinte, o CCAS pretende adaptar o conhecimento à realidade das demais regiões do País e propor medidas com bases estatísticas para a formulação de políticas de segurança. 

Neste momento em que no plano federal a ciência é desprezada pelo negacionismo do governo Bolsonaro, experiências como a criação do CCAS e como a que vem sendo desenvolvida no Rio de Janeiro pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, com o objetivo de estudar a correlação entre custo financeiro das políticas de segurança pública e obtenção de resultados, merecem todo o apoio, tal o medo generalizado com que vive a população.