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A Codevasf é uma farra

Sob Bolsonaro, a ‘estatal do Centrão’ é um festim com recursos públicos. PF deflagrou nova operação para apurar corrupção e enriquecimento ilícito envolvendo a empresa

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Por Notas & Informações
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A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) foi transformada em um sorvedouro de dinheiro público nesse consórcio formado pelo presidente Jair Bolsonaro e o Centrão, sob a liderança do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI). Nem uma folha de papel é carimbada no mais remoto escritório da chamada “estatal do Centrão” sem a anuência, no mínimo, de um dos dois chefões do grupo que sustenta Bolsonaro no cargo à custa da cupinização da República, por meio da privatização do Orçamento da União.

Há algum tempo o Estadão tem revelado uma série de escândalos de corrupção num governo que Bolsonaro garante ser imune à corrupção. Em larga medida, os casos passam pela Codevasf, a começar pelo famigerado “orçamento secreto”, uma indecência desde o nome. Criada em 1974 para viabilizar a construção de rodovias e executar projetos de irrigação que visavam ao desenvolvimento econômico e social da região do Vale do Rio São Francisco, a estatal, hoje vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, foi bastante inchada no atual governo, a ponto de abranger projetos obscuros – em geral, de pavimentação e compra de equipamentos – que chegam a distar até 1,5 mil quilômetros das águas dos rios que a batizam. Cerca de mil novos municípios, pasme o leitor, passaram a compor a área de atuação da estatal recentemente.

Ou seja, a razão de existir da Codevasf, que, a bem da verdade, já havia sido desvirtuada, chegou ao paroxismo nos últimos três anos a fim de saciar interesses antirrepublicanos do grupo político que ora está no poder. A ampliação do escopo de atuação da empresa, é evidente, só favorece a corrupção.

O mais novo caso envolvendo a Codevasf foi revelado no dia 21 passado. A Polícia Federal (PF) no Maranhão deflagrou uma operação que investiga suspeitas de fraudes em licitações da empresa no Estado. De acordo com a PF, uma “associação criminosa estruturada”, tendo a empreiteira Construservice à frente, engendrou um “engenhoso esquema” de fraude em licitações, desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro que envolve cerca de R$ 140 milhões. Apontado como sócio oculto da Construservice, Eduardo José Barros Costa, conhecido como “Imperador”, foi preso temporariamente. Malas de dinheiro vivo, joias e relógios foram apreendidos na casa do empresário.

A Codevasf tem uma longa história de corrupção e fisiologismo nesses seus quase 50 anos de existência. No entanto, foi justamente na vigência da aliança entre o presidente Bolsonaro e o Centrão que seu orçamento foi robustecido em nível recorde: R$ 2,73 bilhões apenas no ano passado. Grande parte desse montante é fruto de emendas parlamentares, daí a posição estratégica que a estatal adquiriu no esquema do “orçamento secreto”. Por meio de “convênios” com a Codevasf, parlamentares usaram esse dinheiro para comprar veículos agrícolas, tratores e ônibus escolares, entre outros ativos, por meio de contratos superfaturados. Os contratos firmados por meio de convênios com a Codevasf estão sujeitos a escrutínios públicos bem menos rígidos do que aqueles firmados por Ministérios, por exemplo.

No governo Bolsonaro, a Codevasf já foi usada para contratar um sem-número de obras, algumas jamais executadas; outras, a rigor, seriam de competência de governos estaduais.

Além do óbvio enriquecimento ilícito, o objetivo do aparelhamento da Codevasf também é político. Trata-se de transformar a estatal em um duto de recursos públicos que são mobilizados para atender a interesses eleitorais muito particulares e localizados. Portanto, sem prejuízo da responsabilização de parlamentares e agentes públicos por eventuais crimes cometidos contra a administração pública, essa espécie de “privatização branca” da Codevasf por uma grei de oportunistas é um ataque direto contra a democracia representativa, na medida em que desequilibra a disputa eleitoral por favorecer, em detrimento de outros candidatos, o grupo político que já detém o poder.