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A cooperação sino-brasileira

Nas relações com a China, devemos manter a tradição do diálogo da diplomacia brasileira

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Por Notas & Informações
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A ratificação pelo Partido Comunista Chinês, no início de março, do 14.º Plano Quinquenal de desenvolvimento socioeconômico suscita imediatamente a questão: o que isso implica para o Brasil? Entre os diversos institutos de pesquisa e think tanks empenhados na resposta, o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) inaugurou, no dia 28 de abril, uma série de seminários destinados a explorar as perspectivas das relações sino-brasileiras. Coincidentemente, no mesmo dia, o Brics Policy Center realizou um seminário para analisar o 14.º Plano Quinquenal.

Entre as inovações do Plano estão uma série de diretrizes de desenvolvimento, mais genéricas, até 2035. Além disso, os aspectos meramente econômicos foram complementados por fatores de desenvolvimento como a educação e a proteção ambiental. O Plano também incluiu um conceito novo: a estratégia de “circulação dual”. Ao mesmo tempo que a China pretende se abrir mais aos mercados globais (circulação internacional), também quer reduzir sua dependência em relação a eles e fomentar sua capacidade de produção e de consumo internos (circulação doméstica).

Como lembrou no evento do Cebri o embaixador Marcos Caramuru, as relações entre Brasil e China sempre foram ambiciosas: nos anos 80, ambos iniciaram uma cooperação em matéria de satélites; nos anos 90, o Brasil foi o primeiro país a ser considerado um parceiro estratégico da China; a partir dos anos 2000, as relações comerciais se fortaleceram. Hoje a China é o maior parceiro comercial do Brasil. 

A cooperação para a produção das vacinas, apontou o embaixador Sérgio Amaral, é o mais recente exemplo da força dessa complementariedade. Mas há outros. O Brasil tem terra e água em proporções que a China não tem, criando uma grande aproximação no agronegócio. Depois, os dois países são membros do Brics, com convergências em vários aspectos dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU, assim como na reforma da Organização Mundial do Comércio. De resto, há uma nova zona de complementariedade: a questão ambiental. Entre os âmbitos de cooperação, um fundamental é a pesquisa e produção de energias alternativas.

Comentando o modelo de governança econômica chinês, o embaixador Sarquis José Buainain elencou áreas de atuação bem-sucedidas que podem subsidiar políticas públicas brasileiras, notadamente os investimentos em capital humano e infraestrutura em sentido amplo (saneamento, mobilidade urbana, logística, etc.).

Uma área especialmente subaproveitada é o comércio entre indústrias. O setor agrícola tem cooperado cada vez mais, mas, por causa da baixa intensidade do comércio intraindustrial, o Brasil não tem conseguido agregar valor às trocas comerciais com a China. Esse déficit pode e deve mudar. Ao apresentar no seminário do Brics Policy Center seus estudos sobre os horizontes de cooperação entre os dois países, o pesquisador chinês Wang Fei apontou que o maior potencial de crescimento de Investimentos Estrangeiros Diretos chineses no Brasil não está tanto nos recursos naturais, mas em equipamentos de comunicação e computadores, em equipamentos de transporte e no maquinário elétrico.

Como arcabouço extraeconômico para a cooperação Brasil-China, os diplomatas e pesquisadores brasileiros relembraram unanimemente que a atual diplomacia do confronto do governo Jair Bolsonaro é um hiato na tradição de diálogo da diplomacia brasileira, e que não cabe ao Brasil fazer uma escolha entre China e EUA, mas sim cooperar, de acordo com seus interesses, com ambos. De resto, todos apontaram a necessidade da promoção de um comércio cultural mais vibrante, sobretudo na educação e pesquisa. Enquanto os EUA, por exemplo, acolhem milhares de estudantes brasileiros, na China há pouco mais de 50. Universidades e think tanks têm um imenso horizonte de oportunidades para construir pontes de entendimento e trocas de conhecimento entre os dois países, e assim pavimentar o caminho para a prosperidade econômica e a cooperação geopolítica de ambos.