Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A crise dos municípios

Em lugar de conter a deterioração financeira, o que se ouve da maioria dos prefeitos é o clamor para abrandar a lei fiscal

Exclusivo para assinantes
Por Notas e Informações
2 min de leitura

É muito ruim e continua a piorar a situação financeira de boa parte dos municípios brasileiros, e não há indicações de que a solução possa ser encontrada durante o mandato dos atuais prefeitos, que termina em 2020. Ao contrário de vários governadores que encerraram seus mandatos sem deixar recursos em caixa para o pagamento de despesas que autorizaram nos últimos meses de sua gestão e, por isso, estarão sujeitos a sanções previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal e na Lei de Crimes Fiscais, os prefeitos dos municípios em situação financeira muito ruim ainda não correm risco de punição. Mas a população dessas cidades, se já não enfrenta a precarização dos serviços públicos municipais, pode enfrentá-la em pouco tempo. Como a maior parte do orçamento é destinada a pagamento de pessoal, sobra pouco para investimentos e despesas de custeio, como a compra de remédios para hospitais.

Um terço dos 5.570 municípios terminou o ano de 2018 no vermelho, com dificuldades para pagar fornecedores, os salários de dezembro e o décimo terceiro dos funcionários, como mostrou reportagem do Estado. De mais de 4,5 mil prefeituras consultadas pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), 186 disseram que atrasariam o pagamento do décimo terceiro e outras 190 admitiram não ter dinheiro para pagar a segunda parcela, que deveria ter sido quitada até 20 de dezembro.

Esta é apenas uma das consequências da crise dos municípios. Metade das prefeituras consultadas admite ter dívidas com fornecedores e 1.447 (praticamente um terço do total consultado) admitiram dificuldades para equilibrar as contas de 2019. Mesmo administrações municipais que conseguem pagar suas contas em dia enfrentam sérios problemas para não incorrer em atrasos.

A crise das finanças municipais começou a ser gestada em 1985, quando começou a crescer o número de municípios. Entre 1985 e 2003, de acordo com recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplica (Ipea), foram criados 1.456 municípios.

Grande parte deles não dispunha, como muitos continuam a não dispor, de meios econômicos próprios para financiar uma estrutura administrativa pública. Municípios sem condições de gerar receita própria passaram a contar basicamente com repasses feitos pela União e, em parte, pelos governos estaduais. Em contrapartida, assumiram algumas funções públicas que antes eram de responsabilidade de outras instâncias de governo, ligadas às áreas de saúde, educação e assistência social.

Mas, em média, as prefeituras passaram a contratar funcionários, em parte para atender às novas responsabilidades, mas em boa medida para acomodar indicações de correligionários dos dirigentes municipais. O inchaço é evidenciado pela evolução do número de funcionários públicos municipais nos últimos anos. De acordo com o Atlas do Estado Brasileiro que o Ipea divulgou, o número de funcionários municipais cresceu 60% em 20 anos, passando de 7,5 milhões em 1995 para 12 milhões em 2016.

Nem a economia nem muito menos as receitas disponíveis das prefeituras cresceram nessa velocidade. Por isso, não surpreende o fato de que as prefeituras estouraram em R$ 5,2 bilhões o limite de gastos com a folha de pagamentos no ano passado. Levantamento feito pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) com base em dados da Secretaria do Tesouro Nacional constatou que 1.412 municípios ultrapassaram o limite fixado pela Lei de Responsabilidade Fiscal para as despesas com pessoal. Esse limite corresponde a 60% da receita líquida disponível.

Há dez anos, apenas 96 municípios estavam nessa situação. A multiplicação desse número por 15 mostra a rapidez da deterioração da situação financeira dos municípios. Em lugar de providências para conter esse processo danoso para o País, no entanto, o que se ouve da maioria dos dirigentes municipais é o clamor para abrandar a lei fiscal. Se com a lei atual boa parte dos prefeitos já age com irresponsabilidade, pode-se imaginar o que os demais fariam sem ela.