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A crise nacional é ‘made in Brazil’

No desarranjo dos preços e nos entraves ao crescimento econômico, o Brasil não precisa da ajuda da crise externa, pois é autossuficiente na criação de problemas

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Por Notas & Informações
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Sem governo e sem roteiro, a economia brasileira pouco deve crescer no próximo ano, com ou sem desaceleração global. Inflação elevada, problemas de suprimento e desarranjos na cadeia produtiva afetam a China, os Estados Unidos e outros parceiros comerciais do Brasil. O quadro poderá piorar se os juros forem elevados para conter os preços no mundo rico. Isso dará ao presidente Jair Bolsonaro e ao ministro da Economia, Paulo Guedes, uma desculpa a mais para o péssimo desempenho nacional. Mas só os desinformados ou os cidadãos de extraordinária boa vontade levarão a sério essa conversa. Alguns problemas podem ser mundiais, mas o País já se destaca pela inflação fora dos padrões, pelo desemprego muito maior que o de outros emergentes e pela atividade emperrada.

A indústria brasileira e também a agricultura têm sido prejudicadas, de fato, pela escassez de matérias-primas e bens intermediários. Fertilizantes estão mais caros e alguns segmentos industriais, como o automobilístico, têm reduzido a produção por falta de componentes importados. Mas, apesar dos problemas externos, o superávit comercial continua robusto. A economia chinesa perdeu impulso e cresceu no terceiro trimestre à taxa anualizada de 4,9%, depois de ter avançado 18,3% no primeiro e 7,9% no segundo. Mas o agronegócio faturou em setembro US$ 10,10 bilhões com as vendas externas, um valor recorde, graças aos preços 27,6% mais altos que os de um ano antes, porque o volume foi 5,1% menor.

No mês passado, a China se manteve como principal importadora de produtos do agronegócio brasileiro. Suas compras, de US$ 3,27 bilhões, corresponderam a cerca de um terço das exportações do setor e o valor foi 42,8% maior que o de um ano antes. Houve aumento de receita nas vendas para os 20 principais países compradores, em setembro, e o resultado mensal do setor foi um superávit de US$ 8,85 bilhões.

Por enquanto, o comércio exterior brasileiro continua proporcionando boa receita e garantindo perspectivas satisfatórias para o balanço de pagamentos. Apesar de prenúncios de alguma acomodação da economia internacional, os mercados de fora seguem atraindo capitais brasileiros.

Esse movimento é atribuível a mais de um fator. A perspectiva de ganhos e a diversificação, frequentemente recomendadas pelos profissionais do mercado financeiro, são os mais evidentes, em condições normais. Mas, no caso brasileiro, o envio de recursos ao exterior tem sido motivado também pelas incertezas internas, associadas às tensões políticas e à insegurança quanto ao futuro das contas públicas. Na base dessas incertezas e temores são facilmente identificáveis o comportamento do presidente da República e as perspectivas de um ano eleitoral cheio de riscos.

A desaceleração prevista para a atividade mundial poderá trazer algumas dificuldades, mas as perspectivas da economia brasileira são determinadas basicamente por fatores internos. No mercado, as projeções de crescimento do Produto Interno Bruto continuam em queda, segundo as informações sintetizadas no boletim Focus. As últimas estimativas apontam expansão de 5,01% neste ano, 1,5% no próximo e 2,1% em 2023. Em contrapartida, continuaram subindo as taxas de inflação esperadas para o biênio – 8,69% em 2021 e 4,18% em 2022.

Inflação elevada continuará erodindo a renda familiar já escassa, num quadro de desemprego ainda elevado. Não há como prever uma firme recuperação do consumo, até porque o Banco Central continuará usando a alta dos juros básicos para tentar conter o aumento de preços. Segundo o boletim, esses juros, agora fixados em 6,25%, chegarão a 8,25% até dezembro e estarão em 8,75% no fim de 2022.

Mantida a insegurança, o dólar seguirá supervalorizado no País e continuará alimentando a inflação. A diferença entre o quadro inflacionário brasileiro e aquele observado no resto do mundo é em boa parte explicável, portanto, por um câmbio influenciado pela insegurança gerada em Brasília. No desarranjo dos preços, assim como nos entraves ao crescimento, o Brasil é autossuficiente.