Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A ‘democracia iliberal’ húngara

O triunfo eleitoral de Orbán foi didático sobre o que acontece quando um líder autoritário desmoraliza as instituições

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
Atualização:
2 min de leitura

Pela primeira vez desde 2010, quando o partido Fidesz, de Viktor Orbán, assumiu o poder na Hungria, a oposição organizou uma frente única. E fracassou: na eleição de domingo passado, o Fidesz levou 53% dos votos contra 35% dos Unidos pela Hungria, ampliando sua supermaioria apta a alterar a Constituição. Orbán, o líder europeu há mais tempo no poder, está forte como nunca: ganhou seu quarto mandato como premiê e pavimentou o caminho para outros.

O regime divide a direita global. Para a direita dura (“alternativa”, nos EUA, “identitária”, na Europa), é um enclave de vanguarda contra o progressismo; para o liberalismo clássico, é o exemplo da nova autocracia, que destrói a democracia não a golpes violentos, mas por uma longa corrosão. O ponto de colisão dessas esperanças e temores é a ideologia definida por Orbán como “democracia iliberal”.

O Fidesz se proclama patriota cristão conservador. Essa é a marca de seu iliberalismo para os progressistas (“liberals”, no sentido americano), mas não para o liberalismo tradicional.

O conservadorismo é popular na Hungria: embora a coalizão da oposição aglutinasse da extrema direita à centro-esquerda, escolheu como candidato o conservador Peter Marki-Zay. Mas nas últimas décadas o conservadorismo também predominou em democracias como Inglaterra, Alemanha ou no Parlamento europeu. O conservadorismo é precondição para o populismo de Orbán, mas não é a sua causa. O regime iliberal não é a defesa dos valores tradicionais da maioria, e sim uma ofensiva às garantias das minorias.

Na estratosfera ideológica, Orbán combate ferozmente as elites “globalistas” e suas conspirações “identitárias”. Sua campanha contra a “decadência ocidental” lhe granjeou relações privilegiadas com líderes “fortes” como Donald Trump, Vladimir Putin ou Xi Jinping. Para sustentá-la domesticamente, fabricou um maquinário institucional que preserva as engrenagens democráticas, mas orienta todas a favor do regime.

Isso envolveu a manipulação do sistema distrital para privilegiar desproporcionalmente seus redutos eleitorais. O regime colonizou o Judiciário e enriqueceu oligarquias que hoje controlam a mídia.

Segundo a agência de investigação de fraudes da União Europeia, o país detém o recorde de fraudes nos fundos do bloco. Para a Freedom House, é o único “não livre” da Europa. Para o Escritório para as Instituições Democráticas e os Direitos Humanos, suas eleições são “livres, mas não justas”.

Sobre o triunfo de Orbán, a guerra na Ucrânia pende como uma Espada de Dâmocles. A afinidade com Putin está fissurando suas alianças conservadoras no Leste Europeu, como a da Polônia, que evitavam seu isolamento na União Europeia. Esta, por sua vez, deve aumentar a pressão contra as ofensivas de Orbán às regras do bloco e os desvios de fundos para oligarcas pró-regime.

Seja como for, a eleição na Hungria foi didática sobre o que acontece com a democracia quando se permite que um líder autoritário desmoralize as instituições a ponto de torná-las meros simulacros a serviço do populismo.