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A despudorada ‘bolsa-eleição’

Com o improviso irresponsável de sempre, Bolsonaro se dispõe a driblar as leis eleitorais e os limites fiscais, torrando bilhões de que não dispõe, na esperança de somar pontos nas pesquisas

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Por Notas & Informações
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No desespero para tirar sua candidatura da estagnação, o presidente Jair Bolsonaro está disposto a torrar bilhões do Orçamento e driblar regras eleitorais e limites fiscais para impulsionar sua campanha. Sem qualquer estudo prévio, de olho apenas nas pesquisas e a menos de 100 dias da disputa presidencial, o Executivo pretende aumentar o valor mínimo do Auxílio Brasil dos atuais R$ 400 para R$ 600, dobrar o Auxílio-Gás, hoje em R$ 53, e criar um vale de mil reais mensais para caminhoneiros autônomos. Ainda não há cálculo sobre o custo das medidas, mas as primeiras estimativas apontam para R$ 50 bilhões até o fim deste ano.

Tudo se dará por meio de mais uma alteração na Constituição. Para tentar reduzir – sem sucesso – os preços dos combustíveis, o governo havia conseguido impor uma perda de mais de R$ 100 bilhões aos Estados, ao fixar, sem compensação, um teto de 17% a 18% para o ICMS de bens essenciais. Não satisfeito, apostou em uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para indenizar, com quase R$ 30 bilhões, aqueles Estados que aceitassem reduzir a zero o ICMS sobre o diesel e o gás de cozinha. É bem provável que o Executivo finalmente tenha se dado conta de que nenhum governador aceitaria saltar nesse abismo; assim, encontrou outro fim para um dinheiro que não tem.

Com a fome atingindo milhões de pessoas e o avanço implacável da inflação – o IPCA-15 acumula alta de 12,04% em 12 meses até junho –, evidentemente é papel do governo ajudar as famílias mais vulneráveis a sobreviver. A questão é a forma como isso deve ser feito, e Bolsonaro não poderia ter escolhido caminho pior. Devastando as bases do Bolsa Família e eliminando todas as suas contrapartidas, como a exigência de presença escolar e o cumprimento do calendário vacinal, o Executivo colocou em seu lugar um programa de viés eleitoral e que trata desiguais da mesma forma, o oposto do que preconizam as melhores políticas públicas. Sua malfadada cria, o Auxílio Brasil, desconsidera a quantidade e a idade dos filhos e incentiva que pessoas que dividem a mesma casa se cadastrem como se morassem separadas para receber R$ 800.

Insistindo na existência de “invisíveis”, o governo optou por jogar no lixo todo o legado de 21 anos de dados do Cadastro Único para Programas Sociais, mas nem assim conseguiu zerar a fila de beneficiários à espera de serem contemplados – já são 2,78 milhões, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM). E para criar o voucher para caminhoneiros e não ser vítima das mesmas greves que irresponsavelmente incentivou em 2018, Bolsonaro está disposto a atropelar o teto de gastos e todas as restrições da Lei das Eleições, da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei de Diretrizes Orçamentárias. E, se preciso for, usará a guerra na Ucrânia como desculpa esfarrapada para lançar mão de um decreto para declarar estado de emergência ou de calamidade.

Nem se disfarça mais que tudo se pauta pelo horizonte de outubro. Todas as benesses terão validade até dezembro, deixando claro que se trata não de uma política séria, mas de uma descarada exploração política dos brasileiros mais necessitados. Na mais recente pesquisa Datafolha, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem 47% das intenções de voto, ante 28% de Bolsonaro, mas a vantagem do petista se amplia entre aqueles que ganham até dois salários mínimos. Este grupo, que representa pouco mais da metade da população, não esconde preferir Lula (56%) a Bolsonaro (22%), e 60% de seus membros dizem que não votariam no presidente de jeito nenhum. O motivo é óbvio: a inflação atinge todos, mas prejudica, sobretudo, os mais pobres. O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, sabe disso. Em entrevista ao jornal Valor, admitiu que o avanço dos preços é o maior problema da campanha de Bolsonaro, mas negou que o governo esteja fazendo estelionato eleitoral. Questionado sobre as chances de recuperação da candidatura do chefe, disse que o jogo das eleições “ainda não começou”, algo que deve ser encarado quase como uma ameaça. Se tal partida ainda nem se iniciou na avaliação do governo, nem se imagina o custo que a bolsa-eleição terá quando ela tiver fim.