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A entropia que nada produz

Bolsonaro é um presidente fraco que paga caro para não ser importunado pelo Congresso enquanto finge que governa o Brasil

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Por Notas & Informações
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A incapacidade de Jair Bolsonaro para exercer a Presidência da República está diante dos olhos de qualquer cidadão atento ao que se passa no País nos últimos três anos, mas também pode ser medida por critérios mais objetivos. Um levantamento feito pelo Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), centro de estudos vinculado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), revelou que Bolsonaro é o presidente que menos aprovou projetos legislativos de seu interesse nestas mais de três décadas desde a redemocratização.

Neste ano, apenas 27,7% dos projetos enviados pelo Executivo ao Legislativo foram aprovados. Em 2019, mesmo com a alta popularidade de um recém-eleito, Bolsonaro só conseguiu aprovar 30% de suas proposições, um recorde negativo anotado já no primeiro ano de mandato. Em 2020, o presidente conseguiu melhorar o desempenho, digamos assim, tendo aprovado 42,9% de suas propostas. Mas se tratou de um ano atípico, marcado pelas ações necessárias ao enfrentamento da pandemia de covid-19, algumas das quais o governo simplesmente se viu obrigado a apresentar diante da tragédia que se abateu sobre o País.

No geral, os indicadores da relação de Bolsonaro com os parlamentares, no que concerne à aprovação de projetos de seu interesse, são muito ruins. Até a ex-presidente Dilma Rousseff, que se notabilizou pela relação tempestuosa com o Congresso, conseguiu ser mais produtiva do que o atual inquilino do Palácio do Planalto. É preciso dizer mais?

Em agosto, o Estado já havia revelado que Bolsonaro é o presidente que mais liberou o pagamento de emendas parlamentares desde 2003, somando cerca de R$ 41 bilhões até o momento, ao mesmo tempo que bate recordes de desaprovação de projetos enviados ao Congresso. À primeira vista, pode parecer paradoxal esse pitoresco arranjo entre um presidente da República que bate recordes de liberação de recursos para parlamentares – seja por meio de emendas ao Orçamento rigorosamente republicanas, seja nos conchavos em torno do espúrio “orçamento secreto” – e aprova tão poucos projetos de seu interesse. Mas isso é perfeitamente explicável.

Em primeiro lugar, Bolsonaro não tem – jamais teve – a mais vaga ideia de qual seja a natureza do Estado. Não sabe para que ou para quem, afinal, se legisla. Seus 28 anos de carreira parlamentar, quando muito, servem ao anedotário do Congresso. O presidente também não sabe o que é governar e tem uma visão obtusa do que seja o exercício do poder. Bolsonaro, como já foi dito nesta página, toma o Estado como uma entidade a serviço do governo; e o governo, como um serviçal dos interesses de sua família. É desse vício original que deriva o que o deputado licenciado Rodrigo Maia (sem partido-RJ) certa vez chamou de “deserto de ideias”, ao se referir ao governo federal. Sem um plano de governo para o País, não pode haver, naturalmente, projetos articulados e minimamente coerentes entre si que provenham do Poder Executivo.

Bolsonaro praticamente governa por espasmos, em geral enviando ao Congresso projetos que atendem uma parcela dos brasileiros, os seus apoiadores mais fiéis. O presidente sabe que, em muitos casos, tais projetos serão rejeitados – como, de fato, são –, mas isso não tem a menor importância. A Bolsonaro interessa muito mais sinalizar aos apoiadores mais radicalizados que “o sistema não permite” que ele governe o País do que ver aprovados os seus desatinos.

A baixa aprovação de projetos do governo no Congresso também se deve à indigente qualidade técnica de muitos deles. Matérias que deveriam ser objeto de projetos de lei são encaminhadas pelo Poder Executivo como medidas provisórias. Estas, por sua vez, não raro tratam de temas que não têm urgência e tampouco relevância, como determina a Constituição.

Bolsonaro, enfim, conseguiu construir uma base de apoio no Congresso. Contudo, essa base se presta apenas a mantê-lo no poder – hoje se sabe a que preço. O tamanho do bloco que o sustenta, portanto, revela mais sua fraqueza do que sua força política. Bolsonaro é um presidente fraco que paga caro para não ser importunado enquanto finge governar o Brasil.