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A escolha do ministro da Saúde

Acima dos caprichos do presidente da República está o interesse da Nação

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Por Notas & Informações
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O presidente Jair Bolsonaro não gosta de ser contraditado com fatos e declarações que inviabilizem a sustentação das mentiras que propaga a torto e a direito para servir a seus interesses particulares. Se o mundo real não dá respaldo à “narrativa política” do presidente da República, paciência, tanto pior para a realidade.

Não foi surpresa, portanto, o constrangimento a que Bolsonaro submeteu o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, durante cerimônia no Palácio do Planalto no dia 10 passado. “Acabei de conversar com um tal de Queiroga, não sei se vocês sabem quem é. Ele vai ultimar um parecer para desobrigar o uso de máscara por parte daqueles que estejam vacinados ou que já foram contaminados (pelo coronavírus), para tirar essa… esse símbolo (mostrando uma máscara)”, disse o presidente para a plateia de aduladores que aplaudiram a temeridade.

Dois dias antes, Queiroga voltara a prestar esclarecimentos à CPI da Pandemia e cometera a imprudência de contradizer o presidente. Na ocasião, o ministro da Saúde afirmou aos senadores que “não há comprovação científica” de que medicamentos como cloroquina, ivermectina e azitromicina, algumas das drogas que compõem o famigerado “kit covid”, têm eficácia contra o coronavírus. A declaração do ministro da Saúde vai na contramão do que Bolsonaro vem defendendo, irresponsavelmente, desde o início da pandemia. A CPI, aliás, foi instalada justamente para apurar as responsabilidades de todos os que contribuíram para transformar o que seria uma grave crise sanitária em uma tragédia de quase meio milhão de mortos.

Ao desafiar publicamente o médico que chefia a pasta da Saúde a se posicionar sobre a flexibilização do uso de máscara quando a pandemia dá sinais de recrudescimento e uma terceira onda da doença está à espreita – um despautério que dispensa considerações –, Bolsonaro quis mostrar que ele, e mais ninguém, manda na condução da política sanitária e não admite ser contrariado. Os dois ex-ministros da Saúde que ousaram não lhe prestar obediência cega, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, perderam o cargo. Eduardo Pazuello, que se submeteu à humilhação, saiu do Ministério premiado.

Queiroga parece inclinado a empatar o placar e seguir na trilha da subserviência. Em vídeo publicado no mesmo dia em que foi compelido por Bolsonaro a dizer se, afinal, está do lado da ciência ou do presidente, o ministro afirmou que vai “atender à demanda” de Bolsonaro e mobilizará a estrutura do Ministério da Saúde para realizar o tal estudo sobre a liberação do uso de máscara. Sendo ele um médico, a ideia deveria ter sido prontamente repelida, sem tibieza.

A esta altura, é sabido que as pessoas que já adquiriram anticorpos contra o coronavírus ainda podem transmitir o patógeno para outras que ainda não desenvolveram a proteção. Ademais, o ritmo de vacinação no País está aquém da velocidade de transmissão do vírus. Propor a abolição do uso de máscara neste momento é ideia de quem só pode estar interessado em aumentar o número de casos de covid-19 e tolera o risco de provocar ainda mais mortes.

Em depoimento à CPI da Pandemia na sexta-feira passada, a microbiologista Natália Pasternak e o médico sanitarista Cláudio Maierovitch foram enfáticos na defesa do uso de máscara e de outras medidas de proteção individual e coletiva. Alinharam-se ao que já havia sido sustentado, no mesmo plenário, pela infectologista Luana Araújo, ouvida na semana anterior.

É deste lado que o ministro da Saúde deve estar. Marcelo Queiroga parece genuinamente empenhado em ampliar o número de brasileiros vacinados contra a covid-19. Defendeu publicamente o uso de máscara e o distanciamento social. Mas isto não basta. Em se tratando de um governo disfuncional como o de Bolsonaro, servidores sérios e comprometidos com o interesse público não devem estimular as sandices do presidente. Acima de seus caprichos está o interesse da Nação.