Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A exploração dos sem-teto

Velha cantilena de que mensalidades cobradas são destinadas apenas às despesas de manutenção dos imóveis não engana mais ninguém

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

Há muito que só os ingênuos ainda se deixam enganar pela farsa montada em torno dos chamados movimentos populares dos sem-teto, que não passa de vergonhosa exploração da boa-fé de pessoas modestas que procuram moradia e são vítimas de um conluio de partidos políticos e crime organizado. Eles perderam mais terreno para essa encenação depois que o Ministério Público Estadual (MPE) denunciou à Justiça 19 investigados por organização criminosa e extorsão dos sem-teto que ocupam prédios no centro de São Paulo, com base em investigação feita pela polícia.

Dias antes, a Justiça já havia decretado a prisão temporária de nove líderes de sem-teto. Um dos presos, Janice Ferreira Silva, além de ser uma das líderes do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), é também apresentadora do Boletim Lula Livre, publicado nas redes sociais. Outros líderes pertencem ao Movimento de Moradia Para Todos (MMPT). Segundo o delegado André Figueiredo, responsável pelo inquérito que levou às prisões, ele foi baseado em provas documentais, escutas telefônicas, depoimentos de 13 testemunhas e pistas apontadas por cartas anônimas. Há relatos de que pessoas ligadas aos movimentos de sem-teto exigiam de R$ 200 a R$ 400 mensais dos moradores. Quem não pagasse era ameaçado.

A denúncia dos 19 feita pelo MPE é acachapante. Ela traça um retrato do escândalo que se tornou o problema dos sem-teto. O promotor Cássio Roberto Conserino, que subscreve a denúncia, resume bem a situação. Após lembrar que a moradia é um direito social previsto na Constituição, que não vem sendo observado pelo poder público, toca no ponto fundamental: nem por isso “a ausência desta prerrogativa confere a nenhum grupo de pessoas ‘fazer justiça com as próprias mãos’ e se beneficiar desta ‘justiça’ a ponto de explorarem a miséria alheia, realizarem invasões a prédios particulares, abrigarem ‘locatários’ nestes lugares sem quaisquer condições de habitabilidade, de segurança, sob o colorido e manto de extorsões e em genuína estrutura de organizações criminosas”.

Melhor não poderia ser dito. Nunca foi desmascarado com tanto realismo e tanta contundência o grande negócio em que se transformaram os movimentos dos sem-teto, nos quais se misturam política, extorsão e crime organizado para explorar, sem nenhum pudor, os que buscam moradia. Vale tudo: da defesa do “Lula Livre” ao que o promotor chama enfaticamente de ligação daqueles movimentos com organizações criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC), a mais poderosa delas.

Cássio Roberto Conserino afirma que moradores explorados “também destacaram que eram compelidos a votar em integrantes do Partido dos Trabalhadores, mudar o título de eleitor para o centro de São Paulo (onde se concentram as invasões), participar de invasões a novos prédios e, por fim, participar de atos de apoio ao ex-presidente Lula e à ex-presidente Dilma”. E mais: além do aluguel mensal, deviam fazer o rateio das despesas do imóveis ocupados, embora eles “se mostrassem sem quaisquer condições de infraestrutura hidráulica, elétrica, de segurança, de habitabilidade, com ligações clandestinas de luz (o famoso gato) e água”.

Não é à toa que a esse rol de ações criminosas de que são vítimas os sem-teto ainda se devam acrescentar as tragédias que não raro atingem os prédios ocupados.

A denúncia do MPE é documento fundamental para a compreensão do triste e revoltante espetáculo em que se transformou a exploração dos pobres que procuram moradia, acossados por aproveitadores políticos e bandidos. Os primeiros, junto com as vantagens políticas – que impulsionam candidaturas até os mais altos postos –, ainda têm lucro.

A velha cantilena de que todas as investigações e denúncias são uma tentativa de “criminalizar os movimentos sociais” e que as mensalidades cobradas são destinadas apenas às despesas de manutenção dos imóveis não engana mais ninguém.