Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A gestão do Fundo Amazônia

Transcorrida uma década desde sua criação, não se teve notícia de quaisquer irregularidades na gestão ou na destinação dos recursos

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
Atualização:
2 min de leitura

No final do mês passado, os ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz, propuseram às embaixadas da Noruega e da Alemanha uma série de mudanças no modelo de gestão do Fundo Amazônia. O fundo foi criado em 2008 com R$ 3,2 bilhões doados pelos noruegueses e R$ 200 milhões pelos alemães. O montante é praticamente o total de recursos disponíveis – e não reembolsáveis – para financiar projetos de redução de áreas de desmatamento que levem à queda da emissão de gases que geram o efeito estufa. O compromisso é apresentar desmatamento anual inferior à taxa de 8.143 km² na região.

O Fundo Amazônia é gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que deve seguir diretrizes programáticas definidas pelo Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa). Transcorrida uma década desde sua criação, não se teve notícia de quaisquer irregularidades na gestão ou na destinação dos recursos do fundo, um eloquente sinal de que o atual modelo de governança é virtuoso. Além disso, os governos da Noruega e da Alemanha realizam auditorias periódicas na gestão dos vultosos recursos que doaram. Os auditores dos dois países tampouco acusaram qualquer irregularidade.

Para que, então, mudar o que vem funcionando muito bem? O Cofa, órgão que define para onde vai o dinheiro do Fundo Amazônia, é composto por 23 membros. Além do Ministério do Meio Ambiente, que o preside, e do BNDES, participam do comitê os Ministérios da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, das Relações Exteriores, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Ciência, Tecnologia e Inovação, a Casa Civil da Presidência da República e a Fundação Nacional do Índio (Funai). Os governos dos nove Estados da região também têm assento no Cofa. As outras seis vagas são destinadas à sociedade civil: Confederação Nacional da Indústria (CNI), Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Fboms), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Fórum Nacional das Atividades de Base Florestal (FNABF) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

De acordo com a proposta do governo federal, contida na carta enviada às embaixadas da Noruega e da Alemanha, o Cofa passaria a ter bem menos assentos. Estima-se que sete: cinco para o governo federal, um para os Estados e o outro para a sociedade civil. Ainda não houve confirmação acerca da composição final do Cofa desejada pelo governo de Jair Bolsonaro. É lícito inferir, no entanto, que o governo deseja ter a palavra final na aplicação dos recursos bilionários do Fundo Amazônia.

O Estado apurou que o governo federal cogita editar um decreto para alterar as normas de administração do fundo e permitir que seus recursos possam ser usados, por exemplo, para pagar indenizações a donos de propriedades privadas que vivam em áreas de conservação ambiental. Os embaixadores da Noruega, Nils Gunneng, e da Alemanha, Georg Witschel, mostraram-se contrários à ideia. Em carta conjunta, afirmaram que “o Comitê Orientador do Fundo Amazônia tem a participação ampla do governo federal, de governos estaduais e da sociedade civil. Ele toma decisões por consenso entre esses três grupos. A governança do fundo segue as melhores práticas globais de governo aberto e participação democrática”. O texto sugere não haver qualquer espaço para mudanças no modelo de governança e na destinação dos recursos do Fundo Amazônia.

O regimento do Fundo Amazônia é explícito na vedação do uso de seus recursos para o pagamento de indenizações por desapropriação de terra. E mais importante: o governo federal não pode, é evidente, contar com recursos estranhos ao Tesouro Nacional para custear despesas dessa natureza. O melhor para todos os interessados é que a gestão do Fundo Amazônia seja mantida tal como é hoje.