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A hora da verdade para a direita

O PT conquistou o governo, mas a direita se fortaleceu. Conservadores e liberais precisam se livrar de suas perversões: os reacionários extremistas e as oligarquias patrimonialistas

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Por Notas & Informações
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Muito se fala de uma nova “onda rosa”, comparável à da primeira década do século na América Latina. A eleição do jovem “socialista libertário” Gabriel Boric no Chile seria seu maior marco, e o retorno de Lula da Silva no Brasil, sua apoteose. Em favor dessa tese, se se pintasse o mapa das Américas, ele seria vermelho. Com exceção de meia dúzia de pequenos países, a esquerda (ou seus equivalentes brandos) governa o Canadá e os EUA, passando por México e Colômbia e chegando à Argentina. Mas há razões para questionar a tese, seja pelas causas desse movimento, seja pela sua identidade, seja por sua força.

Muitos desses governos foram eleitos menos por aderência à esquerda e mais por sentimentos anti-establishment, que puniram incumbentes de direita desgastados (sobretudo com a pandemia), os quais haviam ascendido pelo desgaste da “onda rosa” original. Depois, entre os esquerdistas há mais diferenças que similaridades. Como argumentou o ex-chanceler mexicano Jorge Castañeda, há ao menos duas esquerdas na região: uma “moderna, aberta, reformista e internacionalista” e outra “nacionalista, estridente e fechada”. Entre ambas há muitas variações e divergências. Além disso, há sinais de que as mesmas mazelas socioeconômicas que desacreditaram incumbentes direitistas estão agora desacreditando os esquerdistas, caracterizando um movimento mais pendular que ondular. Nos EUA, por exemplo, há uma propensão à retomada do Congresso pelos Republicanos nas eleições de novembro. No Chile, a popularidade de Boric está em queda, e a população repudiou uma proposta constitucional ultraprogressista.

No Brasil, se há que falar em uma onda na última década, é da direita. Ela começa em 2013, com multidões irritadas com os desmandos lulopetistas. A oscilação das duas últimas legislaturas à direita foi consolidada nestas eleições. Se a esquerda conquistou o Executivo federal, eleitores de Estados decisivos como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul optaram por governos à direita. A própria campanha de Lula é sintomática. Por cálculo ou convicção – o futuro dirá –, Lula mobilizou um amplo movimento ao centro, com toques de direita.

Jair Bolsonaro optou pela radicalização. Se venceu em todas as regiões, exceto o Nordeste, é mais pela rejeição do eleitorado conservador e liberal à agenda de esquerda. Se perdeu a maioria geral, foi menos pela força de uma “onda” progressista e mais pela aversão ao seu extremismo reacionário. Sua concepção da política como uma luta entre amigos e inimigos, seus prismas conspiratórios, seu autoritarismo ou seu culto à personalidade se opõem ao ideário religioso de amor ao próximo e a valores políticos conservadores e liberais, como reformas ao invés de rupturas; a negociação ao invés de eliminação; a separação dos Poderes e sua descentralização ao invés da concentração e do atrito; a independência das instituições ao invés de sua submissão ao governo; ou o livre mercado ao invés do intervencionismo estatal.

Muitos à direita sentem a vitória de Lula como uma derrota. Mas Lula precisará transigir com a direita para governar. A derrota de Bolsonaro pode ser uma vitória da direita civilizada, se for capaz de expurgar da “onda” direitista seus corpos estranhos mais perniciosos, seja o neorreacionarismo – que, de início, em meio à atmosfera sectarista promovida pelos radicais petistas, lhe deu tração, mas depois se provou tão autodestrutivo –, seja o clientelismo das velhas oligarquias – que se travestem com o manto “conservador” apenas para conservar seus privilégios.

Sem implicar uma rejeição aos objetivos mais valiosos da esquerda, como a justiça social e a inclusão das minorias, há um revigoramento na sociedade de ideais caros ao conservadorismo e ao liberalismo, vistos como meios mais eficazes de atingir esses objetivos, como a rejeição ao Estado patrimonialista e paternalista e a valorização da família, da igualdade de oportunidades, da livre-iniciativa, do mérito pessoal e da produtividade econômica. O que está em falta são lideranças capazes de encarnar esses ideais e materializá-los em ações.