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A hora do realismo ambiental

O alerta da ONU sobre o malogro das metas climáticas não deve ser visto como a antessala do fim do mundo

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Por Notas & Informações
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A ONU alerta que o mundo está longe das metas do Acordo de Paris para restringir o aquecimento global na era industrial em 1,5 °C: com as políticas em curso, a temperatura deve subir 2,8 °C.

Uma abordagem cínica diria que essas metas foram feitas para não serem cumpridas: os políticos se aglutinam em fóruns, competem pelas previsões mais cataclísmicas, recebem aplausos, traçam objetivos utópicos e vão para casa exigindo mais poder para cumpri-los. Uma abordagem voluntarista denuncia a inação desses líderes: longe de serem ambiciosas, as metas e políticas ambientais são modestas demais – é preciso dobrar a aposta. É o curso sugerido pelo secretário-geral da ONU, António Guterres: “Nos dirigimos a uma catástrofe global!” – ainda que os cientistas mobilizados pela ONU não digam bem isso; dizem, sim, que o aquecimento é real e, se não for mitigado, será muito ruim, mas não o fim do mundo. Contudo, 60% da população dos países da OCDE crê que a humanidade está à beira da extinção.

O problema dessas abordagens unívocas é que asfixiam o debate em um binarismo, ou resignação desiludida ou ativismo desesperado, turvando a ponderação de quais políticas estão funcionando e quais não. Militantes ambientalistas acusam omissão por toda parte, mas houve muitas ações. Por vezes desastradas. Considere-se a decisão da Alemanha de cancelar toda energia nuclear e lançar todas as fichas em energia renovável, e o preço socioambiental que está pagando, tendo de recorrer ao carvão para se aquecer na atual crise energética.

Decerto houve muito retrocesso, como o desmonte das políticas climáticas brasileiras promovido pelo atual governo. Nem por isso é justo reduzir o País a um “pária ambiental”. O Brasil ainda mantém taxas exemplares de biomas preservados e energia limpa, e boa parte da sociedade e do setor produtivo busca soluções com paixão e proatividade, como se viu, por exemplo, no fórum “Amazônia é a solução”, da rede Uma Concertação pela Amazônia, realizado em parceria com o Estadão.

Há duas gerações, os ambientalistas precisavam vencer a ignorância e a passividade em relação ao aquecimento global. E venceram: exceto por obscurantistas marginais, todo mundo está preocupado. Mas o debate está superaquecido, e muitos, sobretudo os jovens, estão em pânico. A consciência ambiental precisa amadurecer rumo a uma terceira fase: nem negacionismo nem alarmismo, só realismo.

Os debates climáticos focam quase exclusivamente nos desastres socioambientais do aquecimento, e nunca nos desastres precipitados por políticas ambientais equivocadas. Embora a atual crise energética e alimentar, que empobrece a todos, sobretudo os mais pobres, não tenha sido causada por essas políticas, ela ilustra agudamente o que pode acontecer cronicamente se não encontrarmos um equilíbrio otimizado entre benefícios ambientais e custos sociais, e vice-versa.

Fins e meios como os do Acordo de Paris ou dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável não devem ser descartados. Mas tampouco devem ser erigidos em dogmas. Devem, sim, ser revisados, escrutinando quais ações foram eficientes, quais não, e a qual custo.