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A inflação bloqueada

Surpresas boas quanto à atividade poderão gerar, no entanto, receios de maior inflação

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Por Notas & Informações
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Conter a inflação será um novo desafio para o governo, se a produção ganhar impulso e o emprego crescer mais rapidamente. Com famílias mais seguras e mais dispostas a gastar, será maior o risco de chegarem ao consumidor os aumentos de preços no atacado. Supermercados e lojas pouco foram afetados, nos últimos dois anos, pelo encarecimento dos produtos no campo e nas fábricas. Ficou em 3,75%, em 2018, a inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Foi grande o descompasso entre as altas no varejo e a variação do Índice de Preços ao Produtor (IPP), com aumento acumulado de 9,76% até dezembro. Este indicador mostra a evolução dos valores cobrados em porta de fábrica, sem fretes e sem impostos, e é baseado em números de indústrias extrativas e de transformação. Os dois indicadores - do varejo e da indústria - são elaborados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Vagas foram criadas nos últimos dois anos, mas no último trimestre de 2018 os desempregados ainda eram 12,2 milhões. O número chegaria a 27 milhões (população subutilizada) com a inclusão dos subocupados e da força de trabalho potencial. Além disso, parte dos contratados no fim do ano teria ocupação apenas no período de festas. Não se sabe quantos continuaram no emprego, embora tenha havido sinais de otimismo com a instalação de um novo governo.

Dólar e petróleo em alta pressionaram os preços ao produtor durante a maior parte do ano. A tendência mudou no fim do terceiro trimestre e o indicador caiu nos três meses finais. Houve recuos de 0,68% em outubro, 1,62% em novembro e 1,46% em dezembro. Apesar disso, a alta acumulada no ano ficou em 9,76%. Foi o maior aumento anual da série iniciada em 2014.

O descompasso entre os preços no atacado e no varejo também é claro nos dados mensais do Índice Geral de Preços da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Esse índice tem três componentes com pesos distintos - preços ao produtor (60%), preços ao consumidor (30%) e preços da construção civil (10%). No ano passado, os preços ao produtor (incluído o setor agropecuário) subiram 9,43%, enquanto os preços ao consumidor aumentaram 4,12%. Diferenças de método explicam a distância entre esses números e os do IBGE, mas a disparidade, em 2018, foi muito pequena. As duas instituições mostraram, em suas pesquisas mensais, uma ampla desigualdade entre remarcações no atacado e no varejo.

Em ambos os casos, a explicação mais segura é a mesma: a transmissão de aumentos do atacado para o varejo foi dificultada pelas condições da demanda final. As famílias foram pouco receptivas a preços mais altos e recorreram a substituições no consumo.

Mas também é preciso lembrar um detalhe importante na formação de custos. Com muitos trabalhadores em busca de emprego, as empresas puderam atender às suas necessidades de mão de obra sem grande pressão sobre os custos salariais. Além disso, grande parte das novas contratações ocorreu sem carteira assinada e, portanto, sem os custos normais. Com maior atividade, também os custos industriais poderiam ter subido mais.

Nos cenários mais comuns, a economia brasileira ainda crescerá moderadamente até 2021. Só os mais otimistas admitem expansão igual ou superior a 3% em qualquer desses anos. Também se projeta inflação contida pelo menos até 2021 e juros básicos ainda baixos pelos padrões brasileiros. A mediana das projeções do mercado aponta juros básicos de 7% no fim deste ano, 0,5 ponto acima do nível de hoje.

Surpresas boas quanto à atividade poderão gerar, no entanto, receios de maior inflação. Isso forçará o BC a apertar a política monetária mais rapidamente. Mas o risco de inflação maior será menos preocupante se o governo avançar na arrumação de suas contas e na reforma da Previdência. Será a forma segura de compatibilizar maior crescimento com inflação moderada. O governo e sua base acertarão se ficarem atentos a esses desafios.