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A Justiça e as redes sociais

Desafio do CNJ é equilibrar a liberdade de expressão a que os juízes têm direito e as limitações a que são submetidos

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Por Notas & Informações
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Menos de duas semanas depois de ter mandado tirar do ar reportagens de uma revista digital e de um site noticioso, sob a justificativa de que ao publicar denúncias falsas e notícias infundadas elas macularam a “honorabilidade” do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, criou um grupo de trabalho no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que também chefia, com o objetivo de “avaliar parâmetros para o uso adequado das redes sociais por magistrados”.

Segundo ele, como “o mundo está vivendo um “ataque às instituições”, os membros do Poder Judiciário devem unir-se para não se deixar “abalar por comentários revestidos de animus caluniandi, diffamandi e injuriandi”. “O mau uso das redes sociais pode impactar a percepção da sociedade em relação à integridade do Poder Judiciário. Temos de tomar muito cuidado com as tentativas de excessos que são cometidos, às vezes dentro das nossas próprias instituições, porque ali está o ovo da serpente da criação de uma desestabilização institucional”, afirmou o presidente do STF e do CNJ.

A preocupação de Toffoli e dos demais dirigentes dos tribunais superiores com a questão não é recente. Ela começou em 2016, quando quatro juízes criticaram de modo contundente o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff, em ato público realizado no Rio de Janeiro. Embora tenham alegado que se limitaram a expressar uma opinião política, com base na liberdade de pensamento e de expressão assegurada pela Constituição, eles acabaram respondendo a processo disciplinar no CNJ.

Em junho de 2018, quando a campanha presidencial estava começando, o CNJ baixou provimento definindo o que os juízes poderiam e não poderiam fazer e falar durante o debate eleitoral. Em novembro do mesmo ano, o CNJ abriu outro processo disciplinar, desta vez para apurar a conduta de um juiz eleitoral que afirmou, pelas redes sociais, que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, teria recebido dinheiro para soltar o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho e tirar a tornozeleira eletrônica de sua mulher, Rosinha Garotinho. No final de março de 2019, Toffoli anunciou a abertura de inquérito criminal para apurar ofensas que teriam sido dirigidas à Corte por meio da internet.

Em quase todas essas iniciativas, o presidente do Supremo foi acusado - ora em tom comedido, ora de modo contundente - de promover censura prévia, de restringir o direito de crítica e de impor a mordaça a cidadãos e operadores do direito à revelia da Constituição. Foi justamente em resposta a essas acusações que ele criou o grupo de trabalho encarregado de fixar “parâmetros de conduta” para manifestações de juízes nas redes sociais. Se eles quiserem fazer política, “que saiam da magistratura e sejam candidatos para poder atuar no Parlamento. Nós temos de nos resguardar, de nos preservar, senão perderemos nossa autoridade. Simples assim”, disse Toffoli num debate organizado pela Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público, depois de lembrar que empresas privadas - inclusive da área de comunicação - têm suas regras de conduta.

À primeira vista, os argumentos são sensatos. Por dar vazão às explosões verbais de populistas, moralistas, ativistas e aventureiros, as redes sociais corroem a imagem das instituições, como a Justiça, prejudicam o jogo político e deixam os cidadãos expostos a toda forma de insensatez e inconsequência. No caso específico do Judiciário, o problema está na dosagem correta das medidas a serem tomadas pelo CNJ para preservar a imagem da instituição. O desafio do órgão é equilibrar a liberdade de expressão a que os juízes têm direito como cidadãos e as limitações a que são submetidos por integrarem um Poder que deve ser isento e imparcial por princípio. Se não primar pelo bom senso, ponderação e equilíbrio, o CNJ dará razão àqueles que criticam seu presidente de estar tentando estabelecer a mordaça, travestida sob a forma de “parâmetros de conduta”.