Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A Lava Jato e a política

A finalidade da Lava Jato seria, acima de tudo, expurgar a política nacional

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

A Operação Lava Jato completou sete anos. Desde março de 2014, foram 80 fases, 179 ações penais, 559 pessoas denunciadas e 209 delações, segundo dados do Ministério Público Federal (MPF). A operação não produziu apenas números superlativos. Ao longo desse período, membros do Ministério Público, com a conivência da Justiça, deram à Lava Jato um objetivo de refundação da política nacional.

“Juízes e procuradores jovens, eu diria provincianos, assumiram o papel de salvadores do País”, disse ao Estado o cientista político Luiz Werneck Vianna, professor da PUC-Rio. Segundo a mentalidade que foi se tornando preponderante em torno da operação, não bastava investigar e punir os envolvidos nos esquemas de corrupção. A finalidade da Lava Jato seria, acima de tudo, expurgar a política nacional.

Sob essa ótica messiânica, a Lava Jato teria dois grandes inimigos, que precisavam ser combatidos: os partidos políticos e a legislação vigente, supostamente branda. Basta ver que procuradores, usando o nome do Ministério Público Federal e da própria Lava Jato, realizaram em todo o País uma chamativa campanha de apoio a um pacote de mudanças legislativas, intitulado de Dez Medidas Anticorrupção.

Com isso, os procuradores já não vinham defender e fazer cumprir a lei vigente, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo Executivo. Eles queriam uma nova lei – uma lei que, ditada por eles, não estaria maculada pela ação dos políticos, sendo, portanto, capaz de gerar uma nova política.

Tal sistema diferencia-se bastante daquele estabelecido na Constituição de 1988, segundo o qual todo o poder emana do povo. Na proposta dos procuradores, os representantes do povo deviam ser escanteados, com a própria população tornando-se coadjuvante. Sua serventia se resumiria a assinar o que o Ministério Público redigisse.

Esse messianismo autoritário não podia dar certo. Em primeiro lugar, porque o Ministério Público tem de cumprir a lei. Não lhe cabe agir além dos limites legais, supondo que sua atuação extralegal será relevada ou, como alguns pretendiam, que uma nova lei autorizaria o que não estava autorizado.

Além disso, o objetivo político da Lava Jato não feria apenas os limites legais. Ele ignorava a própria política. “São duas dimensões: a política é uma coisa, a Justiça é outra. Houve essa combinação esdrúxula, e deu no que deu”, disse Luiz Werneck Vianna. “É necessário que se combata a corrupção de outra forma, não de uma forma que comprometa todo o tecido político, como se fez. Queriam salvar o País por mecanismos judiciários, pelo Código Penal. Não é por aí.”

A empreitada messiânica dos procuradores produziu um resultado muito diferente do que seus autores esperavam, mas não porque o Judiciário ou o Legislativo tenham promovido um boicote da operação. A rigor, muitas vezes, a Justiça – em especial, a primeira instância, mas não apenas ela – transigiu com o messianismo da Lava Jato.

“Desqualificou-se a política, os partidos, e ficamos em um deserto. O legado da ‘República da Lava Jato’ é a desertificação da política”, disse o professor da PUC-Rio. Além disso, “a política se judicializou no Brasil – por falta de política, falta de partido”.

Observada em várias fases da Lava Jato, a mistura de ação judiciária e ação política conduziu, assim, não apenas a um enfraquecimento da política, o que, entre outros efeitos, faz com que aumente a adesão de parte da população a soluções fora da política – fora do regime democrático. Nesse caminho, com a judicialização da política, deu-se também uma perigosa debilitação da separação dos Poderes, que assegura justamente que o poder político esteja nas mãos do povo, por meio de seus representantes eleitos.

Os equívocos da Lava Jato não devem produzir desalento, como se nada desse certo no País. É antes uma oportunidade para que se reafirme o que é fundamental num Estado Democrático de Direito: todos devem respeitar a lei e só o voto confere poder político. Não há vagas, seja por concurso ou nomeação, para salvadores da pátria.