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A lenta reação do varejo

Comércio varejista reagiu em fevereiro, depois de três meses muito ruins

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Por Notas & Informações
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Depois de ficar no zero a zero em novembro, despencar 6,1% em dezembro e cair mais 0,2% em janeiro, o comércio varejista cresceu 0,6% em fevereiro, dando um raro toque positivo ao balanço econômico do primeiro bimestre. Com muita cautela, as famílias voltaram às compras, mas sem eliminar do cenário as marcas da pandemia e dos erros da política econômica. O volume vendido ainda foi 3,8% menor que o de fevereiro do ano passado, quando foram detectados no Brasil os primeiros casos de covid-19. Ainda assim, sobrou um crescimento acumulado de 0,4% em 12 meses, mas esse dado se refere apenas ao volume. Nesse período, a receita nominal cresceu 6,1%, e a diferença é explicável, em boa parte, pelo aumento de preços. A inflação foi mais forte que o novo coronavírus e assim continua, sem sinal, por enquanto, de arrefecimento. 

A crise econômica foi suficiente, no ano passado, para fazer o Produto Interno Bruto (PIB) diminuir 4,1%, mas insuficiente para deter a alta de preços. A inflação foi alimentada pelas cotações internacionais dos produtos básicos e pela alta do dólar em relação ao real, num ambiente de consumo sustentado graças a políticas especiais.

O consumo foi favorecido pelo auxílio emergencial, principalmente entre maio e outubro, e o varejo atingiu um patamar 6,5% superior ao do período pré-pandemia, lembrou o economista Cristiano Santos, gerente da pesquisa do comércio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas esse efeito foi limitado.

O auxílio foi reduzido a partir de setembro e imprudentemente suspenso em janeiro. Além disso, a inflação erodiu o orçamento familiar, já minguado, e restrições à mobilidade também prejudicaram o comércio.

Mas em fevereiro a volta às aulas movimentou o setor de livros e de artigos de papelaria, levando a um aumento de vendas de 15,4%. Foi a maior variação registrada no mês entre os vários segmentos do comércio. O volume vendido graças ao reinício das aulas, no entanto, foi 4,1% inferior ao de um ano antes. No mês, também aumentaram as vendas de móveis e eletrodomésticos (9,3%), tecidos, vestuário e calçados (7,8%) e hipermercados, supermercados e lojas de alimentos, bebidas e fumo (0,8%).

Mas este aumento mensal talvez disfarce, para uma parte do público, um quadro sombrio. Hiper e supermercados venderam 3,4% menos que em fevereiro do ano passado. Para milhões de brasileiros privados de emprego e de auxílio emergencial, comer tornou-se uma façanha muito especial, só possibilitada, nos últimos meses, por iniciativas de combate à fome. Até o enfrentamento do coronavírus foi associado a esse tipo de ação.

Em São Paulo, a vacinação tem servido para o recolhimento de doações de comida. Governos estaduais e municipais, ao lado de organizações civis e religiosas, têm-se mobilizado para levar comida aos necessitados. Garantir a merenda escolar, mesmo antes da reabertura das escolas, também serviu a esse objetivo. No Brasil, essa merenda tem sido uma ajuda preciosa a muitas famílias, mesmo em tempos melhores, assim como a refeição gratuita, ou de preço simbólico, em restaurantes empresariais. Nesta crise até essas facilidades sumiram ou foram reduzidas.

O levantamento inclui informações sobre o “varejo ampliado”. Esse conjunto é formado pelo varejo mais próximo do dia a dia – de alimentos, vestuário, medicamentos e produtos de limpeza, entre outros – e por dois segmentos mais distantes das compras de rotina: 1) veículos, motos, partes e peças; e 2) material de construção. As vendas de material de construção cresceram 2% em fevereiro e 13% em um ano. O cuidado com a habitação foi um dos efeitos do maior recolhimento vivido por muitas famílias.

As vendas de carros, motos, partes e peças aumentaram 8,8% em fevereiro, mas será necessária uma recuperação muito maior para o retorno à fase pré-pandemia. Essas vendas foram 3,8% menores que as de um ano antes. Além disso, o balanço de 12 meses aponta um recuo de 15,9% – uma perda grave, dada a importância do setor automobilístico no conjunto da indústria.