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A liberdade e a lei

A discussão a respeito da validade do acordo coletivo refere-se à validade da própria legislação trabalhista

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Por Notas & Informações
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Em junho, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão de todos os processos judiciais que discutem se o acordo coletivo pode prevalecer sobre direitos previstos em legislação trabalhista infraconstitucional. Em maio, o STF havia reconhecido a repercussão geral da questão discutida no processo. O Código de Processo Civil é expresso: “Reconhecida a repercussão geral, o relator no STF determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional”.

Na quinta-feira passada, seguindo a decisão do ministro Gilmar Mendes, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) suspendeu todos os processos trabalhistas que discutem a validade das negociações coletivas até que o STF se pronuncie sobre a questão. A suspensão afeta uma grande quantidade de ações da Justiça do Trabalho. Há estimativas de que até 60% dos processos trabalhistas referem-se a essa matéria.

Se o alcance da suspensão recomenda que o STF seja diligente no julgamento do caso, ele também aconselha especial cuidado na apreciação do caso. Nesse processo, a Justiça tem a oportunidade de estabelecer uma jurisprudência mais equilibrada e, principalmente, em conformidade com a reforma trabalhista aprovada em 2017 pelo Congresso, a Lei 13.467/2017.

A rigor, a questão não é se um acordo entre particulares pode prevalecer sobre a lei. Trata-se de um princípio básico do Estado: a disposição entre particulares não pode prevalecer sobre uma lei vigente e constitucionalmente válida. A questão a ser avaliada pelo STF é o status que a própria lei concede à negociação coletiva.

Alterada pela Lei 13.467/2017, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que “a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre (i) pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; (ii) banco de horas anual; (iii) intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas”. Esses são os três primeiros temas. Ao todo, são 15 pontos a respeito dos quais a própria lei define que o acordo coletivo pode dispor de forma diferente ao determinado pela legislação infraconstitucional.

E no artigo seguinte, também de acordo com a redação dada pela reforma trabalhista, a CLT dispõe que “constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: (i) normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social; (ii) seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; (iii) valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do FGTS”. Esse artigo lista, ao todo, 30 itens a respeito dos quais o acordo coletivo não pode prever algo diferente do que dispõe a lei.

Fica evidente, portanto, que a discussão a respeito da validade do acordo coletivo refere-se à validade da própria lei. No caso, é a validade da própria CLT, já que é ela que reconhece a liberdade de trabalhadores e patrões para dispor, por meio de acordo coletivo, sobre aqueles assuntos. Como reconheceu o STF, nessa discussão estão envolvidas questões constitucionais importantes.

A validade do acordo coletivo relaciona-se, por exemplo, com o princípio constitucional da separação dos Poderes. Foi o Congresso que aprovou a reforma trabalhista, atribuindo efeitos jurídicos precisos às convenções coletivas. A Justiça não pode passar por cima da vontade do Legislativo, especialmente se essa vontade está em consonância com a Constituição. E aqui se vislumbra outro ponto fundamental da reforma trabalhista. Ao assegurar amplos espaços de liberdade, a Lei 13.467/2017 assegura o cumprimento de um dos cinco fundamentos da República Federativa do Brasil: os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa, como dispõe o art. 1.º da Carta Magna. A liberdade e a lei merecem integral proteção.