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A omissão do MEC

O ministro cobra uma reabertura segura das escolas sem ter feito nada para isso

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Por Notas&Informações
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Em todo grupo de trabalho escolar há sempre aquele aluno relapso, que não só não contribui para o resultado da tarefa coletiva, como critica o que é feito pelos colegas. Em geral, o oportunista não se constrange por querer obter crédito indevido e ainda se arvora em bedel do grupo.

Foi mais ou menos assim, como o aluno insolente, que o ministro da Educação, Milton Ribeiro, se apresentou à Nação na noite de terça-feira passada, quando fez um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV “conclamando” os brasileiros ao retorno às aulas presenciais. Classificando esta volta às escolas como uma “necessidade urgente”, Ribeiro afirmou que “o Brasil não pode continuar com as escolas fechadas, gerando impacto negativo nestas e nas futuras gerações”.

De fato. Mas o que o Ministério da Educação (MEC) fez desde o início da pandemia de covid-19 para mitigar o “impacto negativo” gerado pelo fechamento das escolas? A pergunta é retórica. O MEC não fez rigorosamente nada, ausente que esteve de toda e qualquer discussão relevante sobre os efeitos da peste sobre a vida de milhões de alunos, professores, funcionários e seus familiares em todo o País.

Enquanto teve à frente o ex-ministro Abraham Weintraub, de lamentável memória, o MEC esteve mais ocupado em travar sua “guerra cultural” do que em pensar uma estratégia nacional de enfrentamento da pandemia à luz de seus impactos na educação. Na famigerada reunião ministerial de abril de 2020, Weintraub não disse palavra sobre a atuação do MEC na crise sanitária que já dava sinais de agravamento. Em vez disto, pregou a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Com Milton Ribeiro, a ação do MEC tem sido pouco diferente. O atual ministro é apenas mais civilizado do que o anterior, mas a batalha ideológica, que tem sido o norte da atuação de um dos Ministérios mais importantes da Esplanada, seguiu inabalada. Sob Ribeiro, o MEC virou a cidadela do ensino domiciliar, também chamado de homeschooling, entre outros temas de relevância muitíssimo circunscrita, além de agendas claramente inconstitucionais, como a tentativa de limitar a autonomia das universidades federais, tidas pelo presidente Jair Bolsonaro como “antros da esquerda”.

A bem da verdade, o pronunciamento de Milton Ribeiro em rede nacional serviu apenas para lembrar muitos brasileiros que, ao menos do ponto de vista formal, há um ministro da Educação. Assim como fazem outras autoridades do governo federal, Ribeiro usou o espaço para fazer proselitismo, propaganda para o governo federal e tentar justificar a inação do MEC distorcendo a decisão do STF que apenas fez valer a Constituição ao reconhecer a competência concorrente da União, dos Estados e dos municípios na adoção de medidas de enfrentamento da pandemia de covid-19. “Quero deixar claro que, no Brasil, a decisão de abertura foi delegada a Estados e municípios, não tendo o governo federal nem poder nem decisão sobre o tema”, disse o ministro. Mesmo a esta altura, quando o próprio STF, em diferentes ocasiões, já esclareceu o teor da decisão, a desfaçatez ainda é capaz de causar espanto.

É evidente que a decisão final sobre o funcionamento das escolas durante a pandemia é de governadores e prefeitos. A razão é elementar: embora todos tenham sofrido as dores da peste, cada ente da Federação sofreu de uma forma particular. A vacinação da população, por sua vez, também tem ocorrido em ritmos diferentes nos Estados e municípios. Isto não significa dizer, em absoluto, que não competia ao Ministério da Saúde coordenar em âmbito nacional o planejamento da vacinação entre outras medidas de proteção contra o coronavírus, assim como não se poderia dizer que não caberia ao MEC coordenar com secretários estaduais e municipais de Educação uma política de ensino a distância e um planejamento nacional de retorno às aulas presenciais de forma segura.

Era dever do MEC oferecer apoio aos entes federativos. O ministro, no entanto, furtou-se de cumprir seu dever de coordenador nacional e agora cobra dos gestores locais uma abertura para a qual não moveu uma palha.