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A pandemia junta-se à pobreza

Enquanto o capital foge e exportações encolhem, países pobres têm de enfrentar a pandemia com recursos escassos e ajuda de instituições como o FMI

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Por Notas & Informações
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Enquanto o vírus se espalha, o capital foge e as exportações encolhem, os governos da América Latina e de outras áreas pobres e emergentes têm de enfrentar a pandemia com recursos próprios – agora ainda mais escassos – e com a ajuda preciosa de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI). Cerca de 80 países pediram socorro ao Fundo até o fim de março. Os governos latino-americanos, com raras exceções, impõem o isolamento social, com maior ou menor rigor, como primeira forma de resistência à covid-19. Aprenderam com a experiência, e especialmente com os erros, dos primeiros países ocidentais atingidos pela doença. Tiveram a seu favor a aproximação pouco mais lenta da pandemia.

A solidariedade além fronteiras, pregada com insistência pela Organização Mundial da Saúde (OMS), vem sendo exercida principalmente por meio do FMI, de forma quase imperceptível para a maioria dos governos e das pessoas. Já empenhado na tarefa de socorro, o Fundo tenta mobilizar dinheiro para manter em US$ 1 trilhão sua capacidade de empréstimo. O governo dos Estados Unidos já se comprometeu com esse esforço.

Na maior economia da América Latina, o Brasil, o governo tenta enfrentar a crise com políticas excepcionais, aumento do gasto e suspensão, até o fim do ano, das normas orçamentárias. Parte do arsenal depende da aprovação, ainda, de um projeto de emenda constitucional para criação de um orçamento “de guerra”. O projeto foi para o Senado.

No Brasil, o isolamento parece estar servindo para frear o contágio. Recomendado por autoridades sanitárias e pela maioria dos governadores, com apoio de prefeitos, esse cuidado foi aceito por milhões de famílias, contra a opinião do presidente da República. O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, também menosprezou inicialmente a pandemia, mas acabou recuando. Decretou estado de emergência sanitária e suspendeu certo número de atividades.

A quarentena foi imposta quase sem exceção nos demais países latino-americanos. Alguns governos, como os da Argentina, do Peru e da Colômbia, logo definiram penalidades, como prisão ou multa para os violadores do isolamento. De modo geral, os procedimentos aconselhados pela OMS vêm sendo seguidos.

Até o governo de Nicolás Maduro se mostra alinhado, mas a situação da Venezuela é uma das mais preocupantes, por causa da enorme escassez de bens essenciais e do enorme empobrecimento da maior parte da população. Na Nicarágua, o presidente Daniel Ortega continua negando a gravidade da pandemia. Até o campeonato nacional de futebol foi mantido. Essa ideia parece ter escapado ao presidente Jair Bolsonaro e a seus seguidores mais entusiasmados. Mas haveria na CBF alguém disposto a apoiar a manutenção dos jogos?

A pobreza, no entanto, pode limitar o alcance da política de isolamento seguida na maior parte dos Estados e nas cidades médias e grandes. Boa parte da população vive em habitações apertadas. Isso ocorre mesmo em grandes capitais, como Rio de Janeiro e São Paulo. No caso das famílias mais pobres, um só quarto pode abrigar até mais de cinco pessoas. As pessoas mais velhas ou mais vulneráveis podem até ficar em casa, mas outras continuam trabalhando ou saem de casa, de toda forma, em busca de alguma oportunidade ou de algum dinheiro. O risco de contágio é bem maior para essas famílias.

A vantagem de conhecer a experiência de outros países – e a importância do isolamento – é diminuída, portanto, pela desigualdade social e pela pobreza encontradas na maior parte da América Latina.

Em mais este aperto, latino-americanos, africanos, asiáticos e europeus (fora da União Europeia) já recorreram ao FMI. Os novos problemas vêm sendo tratados como ameaças muito sérias por entidades como o FMI, o Banco Mundial e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nenhum dirigente dessas entidades fala em “gripezinha” ou histeria. Todos esses dirigentes têm respeitáveis currículos nas áreas de gestão pública e todos falam corretamente mais de um idioma, a começar, é claro, pelo próprio.