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A parte da elite que apoia o atraso

Seduzidos pelas canetadas populistas de Bolsonaro, alguns empresários flertam com o apoio à sua reeleição, atentando não só contra os interesses nacionais, mas contra o seu próprio

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Por Notas&Informações
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Desde as eleições de 2018, entrou na cena pública um escrete de folclóricos empresários bolsonaristas, tão histriônicos e incorrigíveis como o seu “mito”. Mas, às vésperas de novas eleições, segundo a colunista do Estado Adriana Fernandes, novas lideranças empresariais têm flertado com o apoio à reeleição de Jair Bolsonaro. Com assombrosa capacidade de abstração, elas excluem de seus cálculos a mistura de estagnação econômica, autoritarismo político, indigência administrativa, instabilidade institucional e degradação moral que é o governo Bolsonaro.

A psique infantil e insegura do presidente; as afrontas ao decoro e à liturgia do cargo; as relações obscuras com milicianos; a truculência no debate público; as crises institucionais artificiais; as calúnias ao sistema eleitoral e as ameaças de descumprir a vontade das urnas; a degradação da administração federal; o obscurantismo que asfixia a educação, a cultura e a ciência; a devastação do patrimônio ambiental; o nanismo diplomático que, oscilando entre a negligência geopolítica e os insultos a parceiros internacionais, resultou num descrédito sem precedentes; o escárnio pelas minorias; a sabotagem às medidas de contenção do vírus da covid-19 e à imunização, resultando em milhares de mortes evitáveis; o descompromisso com as reformas e privatizações, malgrado suas tonitruantes promessas eleitorais; o sequestro do Orçamento com os fisiologistas do Centrão e a deterioração das contas públicas; os indícios de corrupção na compra de vacinas, verbas escolares e licenças a criminosos ambientais; a captura da máquina pública para fins eleitoreiros; a predisposição a privilegiar interesses familiares sobre os corporativos, os corporativos sobre os de governo e os de governo sobre os de Estado – nenhuma dessas mostras de incompatibilidade com os deveres de um estadista parece pesar na intenção de voto desses empresários.

Tampouco os motiva a estratégia do “voto útil” contra o suposto “mal maior”, questionável, mas compreensível, ante a ameaça do mandarinato lulopetista de recobrar o poder e restabelecer seu desenvolvimentismo irresponsável, sua hostilidade ao livre mercado, os gastos descontrolados, o aparelhamento do Estado e a capilarização da corrupção, tendo como corolário o retrocesso socioeconômico.

Não, as razões são mais primárias e constrangedoras: uma mescla de egoísmo e credulidade.

Entusiasmados com uma momentânea melhora nos indicadores econômicos, afagados por benefícios, créditos e isenções sacados a golpes da caneta presidencial, encantados pelos gráficos fabricados no Ministério da Economia e pelas gesticulações do seu “superministro”, esses empresários parecem comprar um pacote de inovações “estruturais” prometidas para o próximo mandato.

A novidade não é a insensibilidade com o opróbrio da esmagadora maioria de seus conterrâneos, a fome, o desemprego, a inflação que corrói a renda das famílias pobres. Essa indiferença é moeda corrente em parte significativa das elites nacionais. O surpreendente é a ignorância em relação aos seus próprios interesses. Com tantos anos de experiência, essa parcela do empresariado parece que ainda não entendeu que os votos comprados pelo populismo hoje cobram juros escorchantes amanhã, seja pela fuga de capitais, escassez de investimentos públicos, deterioração do capital humano e degradação institucional, seja pelos demais ingredientes que alimentam a estagnação da economia, a incivilidade nas ruas ou a rapacidade das classes políticas.

Que esse engano é autoengano, ou seja, que ainda resta um laivo recôndito de preocupação republicana, depreende-se do relato da colunista Adriana Fernandes, segundo o qual “o apoio à reeleição é ainda envergonhado”.

Diversas vezes a elite empresarial e suas associações se manifestaram contra os desmandos de Bolsonaro na área ambiental, educacional, sanitária ou diplomática. É hora de se mobilizarem para expor tudo o que há de vergonhoso no voto de seus colegas seduzidos pelo canto desafinado da sereia bolsonarista. Se não for pelos interesses nacionais, que seja ao menos para preservar seus próprios interesses.