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A reação chega ao Tesouro

Arrecadação melhora, mas continua bem abaixo dos valores do ano passado

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Por Notas & Informações
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A reação econômica iniciada em maio, depois da grande queda de abril, já se reflete nas contas públicas, embora a arrecadação continue muito debilitada. A Receita Federal recolheu em julho R$ 115,99 bilhões, 33,99% mais que em junho e 17,68% menos que um ano antes, descontada a inflação. Apesar da tendência positiva, foi o pior resultado para o mês de julho desde 2009, quando a arrecadação, em valores atualizados, ficou em R$ 107,96 bilhões.

Naquele ano o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 0,1%, por causa da crise financeira internacional deflagrada em 2008. O Brasil viveu em 2009 a única recessão anual entre 1992 (-0,5%) e 2014. Em 2015 e 2016 a economia encolheu mais de 7%. Em 2020 a produção deve diminuir pouco mais de 5%, se as últimas projeções do mercado estiverem corretas.

De janeiro a julho a receita do governo central ficou em R$ 781,96 bilhões, com recuo real de 15,16% em relação aos primeiros sete meses de 2019. Esta é a menor soma recolhida no período também a partir de 2009, quando foi contabilizada a arrecadação de R$ 707,56 bilhões nos meses correspondentes. Mas naquele ano a situação do País era muito diferente em vários aspectos. O PIB havia crescido 5,1% em 2008 e a economia ainda tinha potencial para uma boa retomada no curto prazo. Em 2010 a atividade avançou 7,5%, impulsionada em parte por fortes estímulos fiscais e financeiros.

O dinamismo começaria a sumir em 2012, no segundo ano de mandato da presidente Dilma Rousseff. Estímulos prolongados e manejados com imprudência, protecionismo excessivo, política de apoio a “campeões nacionais” e enorme irresponsabilidade teriam perigosos efeitos inflacionários, arrasariam as contas públicas e jogariam o País na pior recessão experimentada, até aquele momento, desde os anos 30 do século anterior.

A economia mal começou a se recobrar dessa crise. Avançou um pouco em 2017 e 2018, em 2019 voltou a perder impulso e em 2020 voltou a afundar quando a pandemia freou duramente o consumo e a produção e jogou mais para baixo o investimento produtivo, já muito insuficiente antes da covid-19. Como dezenas de outros em todo o mundo, o governo brasileiro recorreu a medidas emergenciais e com isso os negócios voltaram a ter algum impulso.

Essa reanimação é apontada no relatório da Receia Federal. A arrecadação de julho é explicável em boa parte pela movimentação econômica do mês imediatamente anterior. Apesar da reação iniciada em maio, em junho os principais indicadores continuaram abaixo dos de um ano antes: produção industrial, -10,05%; vendas de bens no comércio varejista, -0,90%; vendas de serviços, -12,10%; massa salarial, -9,98%; e valor em dólar das importações, -28,55%.

Além de outros fatores positivos, a receita de julho refletiu um evento sazonal, o recolhimento de impostos pelas empresas inscritas no sistema de apuração trimestral. Facilidades tributárias também prejudicaram a arrecadação federal. Podem ter contribuído para evitar uma queda maior da produção e do emprego e, além disso, deixarão de vigorar depois de alguns meses.

Com a reabertura gradual das atividades, a receita de impostos e contribuições deve continuar em alta, mas o ritmo da atividade vai depender também da evolução sanitária. Há sinais de estabilização e até de ligeiro recuo das taxas de contágio, mas os números absolutos continuam muito altos.

Como em outros países, governos subnacionais podem ser forçados a retroceder em suas políticas de normalização, impondo novo freio à atividade econômica e à recuperação da base tributária. Enquanto se esperam as vacinas, qualquer afrouxamento dos padrões sanitários é arriscado. Menosprezar o risco pode gerar resultados especialmente graves, como se tem visto no Brasil e em vários outros países.

Mesmo sem grandes acidentes, o Brasil deve fechar 2020 com a economia ainda fraca, desemprego elevado e contas públicas muito frágeis. O governo continua devendo uma estratégia de recuperação econômica sustentada e um claro roteiro do indispensável ajuste de suas finanças.