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A recidiva do populismo europeu

Populistas veem na frustração popular com a volta das restrições contra o vírus uma chance de recuperar terreno perdido

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Por Notas & Informações
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Após duas décadas de ascensão, havia sinais de que o pico do populismo na Europa ficara para trás. Segundo o monitor do populismo do projeto YouGov-Cambridge, há três anos as crenças populistas começaram a “declinar amplamente” em 10 países europeus. A covid não alterou esse arrefecimento – em muitos casos o acelerou. Mas agora que a Europa voltou a ser o epicentro da pandemia e tem editado medidas restritivas e passaportes de vacinas, os partidos populistas encontraram uma oportunidade de retaliação. Cada vez mais eles têm se colocado na linha de frente do ceticismo antivacina e do libertarismo antilockdown.

Sentimentos populistas são tipicamente mensuráveis pela adesão a duas crenças, a de que as pessoas comuns são exploradas por elites corruptas e a de que a “vontade do povo” deve ser o princípio supremo da política. Com base nesses indicadores, o projeto YouGov-Cambridge apontou “um claro padrão de declínio do apoio ao populismo” durante a pandemia. A hipótese é que ela reforçou a confiança na ciência e, em certa medida, nos governos, em detrimento dos sentimentos antielite e antiespecialistas.

Mas a própria pesquisa aponta que, se a pandemia pode ter reduzido o apoio geral ao populismo, ela também pode ter excitado a radicalização entre as minorias populistas. Com a frustração pública ante a volta das restrições, esse radicalismo parece estar reverberando na população.

Os protestos são difusos e heterogêneos, mas parecem mais comuns no leste do que no oeste; nos países de língua germânica do que entre os latinos; entre os jovens do que entre os velhos; e mais à direita do que à esquerda. Questionamentos aos lockdowns e mesmo a posições cientificamente consolidadas, como a eficácia e a segurança das vacinas, são legítimos. Mas claramente estão sendo instrumentalizados por partidos populistas. 

“Repentinamente os populistas por toda a Europa tiveram um batismo libertário”, disse em reportagem do jornal Financial Times o cientista político Ivan Krastnev. As certezas que a Europa conquistou nas últimas três crises, ponderou ele, estão sendo revistas. Na guerra ao terror ela se posicionou a favor da privacidade e das liberdades civis, mas a pandemia impôs as maiores restrições desde a 2.ª Guerra; na crise financeira, ela defendeu a disciplina fiscal, mas agora a dívida pública escalou; e na crise migratória, a Europa defendeu o acolhimento e a integração, mas com a covid se transformou numa fortaleza.

Como apontou o comentarista político Thomas Hofer, a questão-chave é se os populistas conseguirão fundir as tendências crescentes e variadas de insatisfação a propósito de direitos individuais em algo mais durável relacionado a tributos, custo de vida ou às restrições impostas pelas políticas climáticas.

Um estudo do FMI com 133 países entre 2001 e 2018 verificou que a agitação política tende a atingir um pico dois anos após o começo de uma epidemia. A se confirmar essa tendência, 2022 será um ano turbulento. As forças democráticas precisam estar em guarda.